V. O Gosto de Sangue na Boca

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Música indicada: You Don't Know

Atordoada dentro do carro, olhou para os lados, procurando ter certeza de que estava realmente ali. Passou a mão no local onde sentiu ter sido atravessada pelo objeto e umedeceu os lábios secos. Com os olhos arregalados, olhou para trás.

— Tudo bem? — questionou Mel do banco logo atrás dela, notando a aflição da amiga.

Eloísa se tremia e fechou os olhos, tentando lembrar que tinha sido só mais um pesadelo. Eles estavam cada vez mais frequentes.

— Um sonho ruim — Tentando respirar. O veículo estava parado e ela não entendeu a ausência da mãe no banco do motorista. Pressionou as mãos suadas uma na outra e sentiu sua respiração tremer, seu coração ainda batia como se fosse sair do peito.

— Mamãe foi comprar café — disse Pedro, um de seus irmãos. A menina olhou para fora do carro e avistou Suzane se aproximando com um copo de café na mão e uma embalagem marrom de pão na outra. O estacionamento no qual haviam parado era pouco movimentado, mas sua mãe acenou em agradecimento ao frentista de boné amarelo antes de entrar com dificuldade. Bateu a porta e entregou o pacote para a menina atrás.

— Não vi que tinha acordado, quer um pouco de café? — questionou, a filha a encarava. — Você não come de manhã, por isso não te trouxe nada — justificou. — Mas se quiser...

— Acordei agora — disse ela, interrompendo a mãe e pegando o copo de café oferecido. El realmente não gostava de comer de manhã, mas aquele dia seria uma exceção. Deu um gole e logo se arrependeu, fez uma longa careta em direção a Suzane, que riu colocando o cinto.

— Ai, filha, desculpa — Olhou El. — Eu coloquei açúcar, mas foi só um pouquinho — Aceitou o café de volta e o bebeu — nem está tão doce assim, Eloísa.

— Odeio açúcar — reclamou. — Pelo menos fico mais acordada — Engoliu seu mau humor e sorriu para a mãe, desejando estar certa.

A mãe começou a dar ré no carro para voltar à estrada. Já passava das sete e Eloísa encarava os poucos carros passando por elas pela janela. Depois de mais de uma hora, seus olhos castanhos e claros que recebiam raios do sol tentaram se fechar enquanto seus cílios fartos acompanhavam o abrir e fechar preguiçoso de suas pálpebras. Balançou a cabeça com velocidade, quase tinha dormido de novo. El nunca tivera medo de pesadelos, mas eles também nunca foram tão realistas quanto os que estava tendo naqueles dias. Ela sentia ânsia de vômito só de pensar. Sua mãe não tinha notado as olheiras, porque ela usava muita maquiagem para cobri-las, mas estava difícil manter a sanidade depois de tão poucas horas de sono por noite. Isso explicava porque ela estava tão irritada e instável. Sua mente lutava arduamente para manter o controle. Naquele vai e vem do carro, seus olhos não pareciam se importar tanto com o medo quanto sua razão. Começaram a pesar cada vez mais, como se sacos de areia estivessem amarrados neles. Estava tão exausta. Nem notou quando dormiu. Pobre garota.

O gosto de sangue na boca era forte e a dor tão grande que impedia sua respiração. Antes de abrir os olhos, gritou, mas não se escutou. Ela pressionou os lábios, tentando suportar a terrível ardência no peito e quando teve coragem de abrir os olhos, soube de imediato onde estava. Praguejou a si mesma. A boca ensanguentada se abriu buscando oxigênio, mas não o encontrava. Ela sabia que era um pesadelo, mas a agonia era bem real. El estava presa por uma lança transparente que brilhava em seu peito direito no alto de um penhasco. Via as pessoas andando abaixo dela, mas sua visão era turva e mal podia raciocinar. O pânico tomava conta do seu organismo. Estava sufocando quando começou a se debater com as mãos apoiadas na lança e tentou gritar mais uma vez como se aquilo fosse resolver algo. Implorava mentalmente para acordar, mas nada acontecia. Era tão real. A cada movimento desesperado, seu corpo descia e a lança rasgava mais. Por um segundo, Eloísa parou de pedir para acordar e passou a implorar para morrer de uma vez.

Olhou para cima, como se buscasse paz em um céu, mas ele não existia, era apenas uma mistura de preto e vermelho fumegante. Observou a lava que descia encostada na parede rochosa, laranja e lenta, em sua direção. Não tinha outro caminho senão aquele que atingiria suas costas. Choramingou enquanto a saliva misturada com sangue deixava seus lábios quebradiços. Não conseguia mais. Engasgou-se com seu próprio sangue e começou a se afogar quando atingiu sua pele, fazendo-a revirar os olhos. Implorava por ajuda, sem que o oxigênio chegasse seus pulmões, estava sozinha e enquanto sua pele descolava de seu corpo. Implorava por misericórdia.  

FUGITIVOS DO INFERNO 01 - Ciclo Da Era [COMPLETO]Wo Geschichten leben. Entdecke jetzt