VI. Verifique se está viva

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Música indicada: Elastic Heart (Sia)

— Você está bem? — Perguntou sua mãe quando a garota deu um pulo tão alto no banco do carro que bateu a cabeça.

A menina, assustada, passou as mãos sobre o peitoral com força, mas não havia nada. Encostou a mão nas costas para checar se sua pele continuava ali, estava. Seus olhos arregalados e repletos de lágrimas pousaram na mãe. O coração acelerado era sentido na garganta e Eloísa não conseguia respirar. Cadê a bombinha? Sugando o ar como quem busca ouro em uma mina, revirou seu banco até lembrar ter guardado o objeto na lateral da mochila entre seus pés. Após algumas puxadas de ar, ela finalmente sentiu o oxigênio circular normalmente. Conseguia respirar. Fechou os olhos, pressionando a bombinha contra o peitoral com as duas mãos.

— Filha... — disse Suzane, assustada, e quase parou o carro, mas Eloísa a olhou menos aterrorizada. — Você está bem?

— Estou bem — sussurrou, olhando a mãe e tentando limpar as lágrimas que tinham escorrido.

Estava mentindo, mas tentava não enlouquecer.

O que foi isso? Queria chorar de medo só ao lembrar.

O coração ainda estava acelerado e sentia que sua cabeça iria explodir. A mãe entrou minutos depois no campus da universidade de Hender e parou na frente do prédio em que as garotas teriam seus quartos durante a graduação.

Eloísa ainda tentava se recuperar, então fez o que sabia fazer de melhor: ignorar. Bloqueou sua mente daquele pesadelo enquanto a ocupava com coisas fúteis. Revirou os olhos ao abrir a porta do veículo como fez da primeira vez que viu aquele lugar por fotos. Uma fortuna por um quarto em um prédio de cento e dois anos de vida e paredes amareladas que com certeza não tinham manutenção há anos. Não existia muita opção para calouros, os melhores já estavam sendo ocupados. Suzane as ajudou a chegar até a porta do elevador depois de se registrarem oficialmente na portaria, mas não subiu com as garotas, despedindo-se ali mesmo. A abraçou forte e quase chorou por deixá-la, mas sua mãe estava orgulhosa e Eloísa podia ver em seus olhos. Aquela era a mesma universidade onde Suzane se formou em moda quase vinte anos atrás. Seus irmãos também a abraçaram, mas não pareciam entender muito bem o que acontecia. Mel apertou o sexto andar e sorriu depois de um bocejo, sua cara estava amassada e ela disse que ficava feliz em ver El e Suzane. A garota nunca tinha conhecido sua mãe.

É isso. Uma nova fase e... internet, pensou, olhando o sinal forte no celular antes do elevador chegar.

Antes de conhecer Mel, Eloísa se recusaria a dividir o quarto com qualquer pessoa, menos Annie, mas os olhos grandes, castanhos e convincentes damondinense a fizeram mudar de ideia e optar por um triplo. Melissa tinha uma energia única que Eloísa jamais foi capaz de entender. Assim, também, se sentiria menos culpada em relação ao dinheiro da família, mesmo que soubesse que existia muito para tirar do bolso do pai. Ao contrário dos outros estudantes, as garotas chegaram duas semanas mais cedo porque queriam fazer parte das atléticas e os treinamentos estavam para começar. Eloísa era uma ótima nadadora e descobriu que Melissa tinha uma resistência para a corrida invejável, mesmo que sua alimentação a assustasse.

— Odeio elevadores — confessou. Sentiu o olhar de Mel enquanto rezava para que ele não caísse. Era irracional, ela sabia. A amiga saiu primeiro e riu.

— Verifique se está viva — disse, zombando. Ela se irritaria se não estivesse tão exausta.

Eloísa abriu a porta do quarto sem pressa, mas Melissa quase a atropelou para entrar primeiro. A garota de cabelo loiro escuro e ondulado no meio das costas apontou e escolheu a cama bem ao lado da janela, para a qual caminhou. Sorria e agia como se tudo estivesse bem enquanto Mel falava alto e animada sobre o banheiro, o guarda-roupas e tudo daquele quarto que ela viu em uma velocidade desafiadora. Ela não sabia como Mel tinha tanta energia.

Durante todos aqueles dias em Mondini, o que ela mais desejou foi que tudo desse certo. Sentou-se na mesa três vezes todos os dias. Fingiu que não se importava com a separação dos pais. Ignorou a saudade dos amigos. Ajudou os irmãos a guardarem os brinquedos e estudou história mesmo sem precisar. Estava fazendo tudo para que as coisas dessem certo. Tinha aceitado ir para aquela universidade. Tudo já deu certo, repetia para si mesma. Você não precisa se preocupar tanto, é só estresse. Deitou-se na cama macia sem forro e fechou os olhos, desejando que seu trem não saísse dos trilhos. Eloísa, que gostava de sentir o controle em suas mãos, parecia prestes a perdê-lo. Ela sabia que para aquilo funcionar precisava respirar fundo, dormir e parar de ser paranoica.

FUGITIVOS DO INFERNO 01 - Ciclo Da Era [COMPLETO]Where stories live. Discover now