XII. Eram Como Sombras

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Música indicada: Love In The Dark


— Fomos convidadas para uma festa — trocou de assunto e os olhos grandes de Mel, por trás dos óculos, se arregalaram. — Claro que você quer ir.

Melissa remexeu todo o corpo em uma dançinha extremamente esquisita. Aquilo era certamente um sim. Ficou feliz em reconhecer a empolgação da amiga e pegou seu celular quando a mensagem de Paulo chegou. Ele a tinha adicionado no grupo de natação e... mandado uma saudação no privado. Não perde tempo, julgou. Aproveitou para avisar a Annie que tinha conseguido dormir, mas os pesadelos ainda continuavam e checou se Tomas tinha mandado alguma outra mensagem. O ex tinha ficado online horas atrás, mas não mandou nada.

— Toma — estendeu um saco de papel marrom com uma mancha de óleo — trouxe esse para você.

— Obrigada — agradeceu-a, pegando o saco, mesmo que ficasse enjoada só de pensar em comer àquela hora, ainda mais aquilo.

— Nossa primeira festa na faculdade — gritou Mel, empolgada demais — espera... Quem te convidou?

— Um garoto — disse sem animação, guardando o celular — enquanto você comprava comida.

— O que? — gritou, enfiando mais pãezinhos na boca — Foi o Max? E olha, na verdade, eu ainda prefiro meus pãezinhos que garotos e garotas.

— Eu sabia! — exclamou El. — Meu Deus, você não está apaixonada por mim, tá?

— Tu se acha, né? — Irônica. — Não é porque gosto de garotas que vou ficar a fim de você. Não é assim que funciona.

Eloísa cerrou os olhos e encarou a garota que permanecia séria enquanto comia.

— Prefiro pães, lembra disso — riu.

— Não era o Max, mas você parece preferir muito ele — lembrou-a.

— É diferente... — olhou dentro dos olhos de Eloísa. — Ele é o pai dos meus filhos — sorriu. Os olhos castanhos de El quase deram uma volta de trezentos e sessenta graus.

— Mel, você nem sabe o nome completo dele — ergueu as sobrancelhas. A outra que cerrou os olhos dessa vez, como se tentasse lembrar, mas a verdade é que ele não tinha contado. — Você não sabe — reafirmou.

Elas voltaram a andar enquanto Melissa devorava ferozmente seus pães e tentava lembrar o nome completo de Max. Eloísa comia aos pedaços minúsculos o seu, apenas porque a amiga tinha insistido.

— Não sei como você não pesa cem quilos — comentou.

— Isso é preconceituoso — repreendeu Mel —, pessoas não são gordas só por comerem besteira como eu, El.

Novamente a aspereza de Mel se mostrou com a resposta que El considerou grossa e gratuita.

— Tudo bem... — tentando recuperar o bom clima de antes.

— Eu falei sério, tu não pode falar essas coisas preconceituosas e esperar que eu concorde — continuou. — Eu vou fazer medicina, esqueceu? Sei que nem comecei, mas também tô ciente que minha alimentação é uma merda. Eu talvez mude... ou não. Nunca tive problemas de saúde — continuou. — Aliás, você bebe?

— Na verdade não... — viu a decepção em seus olhos. — Okay, às vezes eu bebo... mas só de vez em quando.

— Ufa! — Lambeu os dedos — Não quero uma amiga da universidade que não possa chapar as vezes.

— Eu não falei nada sobre chapar! — respondeu alto, ambas riram.

— Certo...— suspirou. — Escuta, onde fica o alojamento F mesmo?

Elas olharam o campus imenso e imaginaram quanto tempo levariam para encontrarem o mesmo sozinhas. Caminharam em silêncio até o prédio mais próximo em busca de informação. Ele era totalmente cinza e suas portas de metal preto estavam abertas. Viram movimento lá dentro e entraram.

— Estamos procurando o alojamento F — disse Mel de forma que Eloísa julgou ser mal educada por não ter iniciado com um bom dia para a mulher que arrumava alguns papéis na recepção.

— O Alojamento F fica do outro lado, próximo à secretaria. Lá onde os calouros ficam. São calouras, não é? Ele é só para estudantes específicos — esfregou os dedos da mão direita um no outro indicando que eram os mais ricos.

— Específicos? — Melissa perguntou.

— Os que pagam mais — disse Eloísa.

— Vocês não podem entrar lá — informou a mulher.

Eloísa coçou a garganta antes de puxar a mão de Mel e deixarem o prédio antes que estragasse tudo.

— Calma, El— resmungou Melissa, empurrando a menina que parou de rir e pareceu preocupada.

— Calma? Você quase entregou uma festa escondida — sussurrou.

— Eu não sabia que era escondida — sussurrou a outra em retorno. — Quem faz panfleto para uma festa escondida?

— Sei lá, gente muito rica? — Respondeu.

Elas caminhavam pelo campus em direção aos prédios onde teriam aula e se perderam algumas vezes pelo lugar. Já eram mais de onze da manhã e as pessoas começaram a surgir como ratos de bueiros. Umas conversavam entre si, outras com fones de ouvido. As aulas já tinham começado para os veteranos, mas Melissa e Eloísa eram as calouras muito ocupadas em ficarem encantadas com aquele campus enorme e bem desenhado. Mais de cinco prédios de espelho estavam organizados em uma fileira, era onde Melissa teria suas aulas. Os de El eram mais velhos, mas igualmente bonitos e recém pintados de amarelo.

Eloísa poderia encontrar qualquer olhar, mas achou o dele. Pretos, profundos e marcantes como o oceano mais inóspito e inalcançável. Seus lábios descolaram enquanto admirava os cílios fartos que batiam devagar naqueles arredondados olhos. O homem a olhava de volta e Eloísa sentia que podia passar horas olhando suas pupilas dilatadas. Perdeu o fôlego. Não viu mais nada, apenas o universo familiar, sério e enigmático dentro do olhar dele.

— O que tá olhando? — Melissa se colocou frente a Eloísa, chamando sua atenção. Ela balançou a cabeça e piscou com velocidade, saindo de seu transe. Afastou a amiga com força para olhar novamente em direção ao rapaz, mas ele não estava mais lá.

— O que foi isso? — Perguntou-se em tom baixo, depois olhou Melissa, confusa. — Eu...— tentou falar, mas não conseguia explicar.

— Tu...

Não conseguia. Segundos dentro daqueles olhos e tinha certeza de que os conhecia de algum lugar. Tão negros quanto uma noite sem estrelas, eram como sombras. Não teve tempo de olhar mais nada além deles.

A vibração que sentiu percorrer seu corpo era diferente, mas ao mesmo tempo familiar. Não reconheceria o rapaz se o visse outra vez, mas se olhasse em seus olhos, seria inevitável não se perder novamente dentro deles.


FUGITIVOS DO INFERNO 01 - Ciclo Da Era [COMPLETO]Where stories live. Discover now