XVI. Outro Sintoma da Solidão

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Eles voltaram. Mais reais e assustadores do que nunca.

Por mais pesadelos que ele tivesse, jamais iria se acostumar com a sensação terrível de voltar àquele lugar. Seu coração estava acelerado e ele olhou para Rafael, falando enquanto dormia na cama ao lado da sua. Enzo respirou fundo e colocou as mãos sobre a cabeça, tentando controlar o pânico e a ânsia de vômito. Por que ela estava lá? Aquilo não poderia estar acontecendo.

Sentia pontadas absurdamente fortes na cabeça, e gemeu ao se levantar. Caminhou até o banheiro e posicionou as mãos sobre a pia, olhando-se intensamente no espelho. Sua aparência era pálida e mórbida como não estava acostumado a ver e os cabelos estavam molhados de suor, ele balançou a cabeça negativamente e coçou os olhos. Não se sentia bem. Eu não posso estar de ressaca, pensava.

— O que é isso? — falou sozinho. — Esquece! É loucura — repreendeu-se. — Tudo isso é uma loucura — repetiu tentando se convencer.

O som de pancadas na porta o tirou de dentro da própria mente e ele a abriu com dificuldade. Faltava força em seus braços.

Ele molhou o rosto e ultrapassou a porta do banheiro. Era George, seu outro colega de quarto, e ele esbarrou no jovem de traços indianos ao sair. Seus cabelos grandes estavam erguidos em um coque.

— São que horas? — Enzo perguntou enquanto voltava para sua cama.

— Seis e meia... — respondeu — acho melhor você voltar a dormir, parece que foi atropelado. Enzo o encarou por alguns minutos, mas não respondeu, gemendo ao se deitar.

Isso não pode ser real.

Passavam das doze da tarde quando Lorenzo resolveu se levantar novamente. Aquela sensação não tinha passado e sua cabeça ainda doía, mas ele abriu um sorriso ao se sentar. Era cômico, mesmo que assustador, o estado que saiu da festa, carregado por uma estranha, sem ter condições de dizer nem um simples obrigado decente. Perguntava-se a todo instante o que estava acontecendo com ele, mas sentia que descobrir o amedrontaria. Naquele caso, gostava do desconhecido.

Ele esteve de volta ao Inferno durante seus sonhos por muitos anos, se lembrando de tudo que tinha passado, mas aquilo já havia acabado há muito tempo antes de realmente voltar. Aqueles sonhos nunca foram tão reais quanto agora que a via lá. É quase como se ela realmente fizesse parte daquilo tudo.

— Bem... — falou sozinho novamente entre os lençóis do quarto escuro e abafado. Ele tinha mania de pensar alto. Um barulho estranho ecoou. Lorenzo sentiu um desconforto na barriga. Sua barriga estava... roncando. Roncando? Suas grossas sobrancelhas se tensionaram e ele encarou o seu estômago.

— Você está com fome? — perguntou Rafael ao seu lado, assustando-o — Tenho bolacha no armário.

— E-eu... — vacilante, com a boca entreaberta e os olhos arregalados.

— Já era hora, não vi você comendo desde que cheguei — comentou o garoto sem nem ao menos olhá-lo, entretido em seus quadrinhos de apocalipse zumbi.

Era óbvio, porque ele não tinha comido. Enzo não tinha essas necessidades fisiológicas básicas como comer ou dormir. Fazia para parecer normal, ou simplesmente ignorava quando tinha outras prioridades. Mas naquele instante, ele estava com fome. Muita.

— Não é possível...— encarou Rafael, que só então o olhou. Ele considerava Enzo estranho e ameaçador demais para lhe questionar qualquer coisa, mas naquele instante foi involuntário.

— O que não é possível? — erguendo seus olhos caídos e cansados. Enzo deu um pulo da cama.

— Levanta — ordenou a Rafael.

FUGITIVOS DO INFERNO 01 - Ciclo Da Era [COMPLETO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora