Capítulo um - Frank

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Eu amo e odeio a minha profissão. ...Eu nunca soube ao certo o que sinto em relação a isso, a não ser que é uma constante relação de amor e ódio.

Algumas vezes tenho vontade de pedir demissão, já nas outras sinto vontade de beijar o chão do hospital. E esse era um desses momentos em que eu poderia facilmente ser capaz de explodir o meu local de trabalho sem me importar com qualquer vítima.

Meu celular faz o som ensurdecedor do toque de emergência. Não abro os olhos, e por aquela cena se repetir várias vezes, já sei onde encontrar o telefone, por isso apenas estico o braço do outro lado da cama e sorrio.

Pelo menos dessa vez eu não tinha dormido em cima dele e acabado com uma horrível dor nas costas, eu amo pensar desse jeito. Ajuda-me muito na minha profissão pensar que poderia ser pior. É algo como um mantra.

Dr. Miller. — a voz do meu chefe ecoa pelo aparelho assim que atendo sua chamada. — Uma emergência agora e precisamos de você.  

— Chego aí em menos de dez minutos.

Agora sim, eu forço meus olhos a abrirem. Desligo o celular e me levanto da cama com pressa, pensando: por que diabos eu dei permissão para me chamarem para o trabalho vinte e quatro horas? Eu deveria me mudar para o hospital de uma vez... Na verdade, eu nem sei porque ainda tinha esse apartamento. Eu estaria totalmente satisfeito em um hotel.

Como eu estava vestido com uma calça de moletom e uma camiseta folgada, só me dei ao trabalho de enfiar-me debaixo de um casaco. Londres pode ser bem fria quando quer, até mesmo para os próprios moradores que já estão acostumados com aquele frio constante.

Não consegui apagar as luzes de casa antes de sair e era nessas horas que eu agradecia a mim mesmo por ter tido a brilhante ideia de ter ido morar sozinho, para não ter ninguém me enchendo o saco com isso.

Uma das coisas ruins de morar na cobertura de um prédio de vinte e cinco andares, era a demora que eu sentia toda vez que entrava no elevador para socorrer algum paciente na emergência do hospital.

Uso esse tempo para me encarar no espelho do elevador metálico. Minha barba está por fazer há dias, uma expressão de quem não dormia por mais do que boas oito horas de sono também está presente em meu rosto.

Solto um suspiro de alívio quando as portas se abrem; saio do elevador com pressa e faço o caminho conhecido no estacionamento até a minha BMW preta.

É uma das poucas riquezas que eu tinha comprado com dez anos de trabalho no hospital, e não pela falta de dinheiro e sim de interesse. Só duas coisas que eu comprei que eu mais prezo: meu carro e meu apartamento.

Eu ainda tenho muito dinheiro e penso em comprar um cachorro, mas seria maldade com o animal deixá-lo sozinho enquanto me dedico à incontáveis horas de trabalho no hospital.

Sou um viciado em trabalho, mas quem se importa? Não recebo um telefonema da minha família há messes e de fato eles não parecem se importar com isso.

Afinal, minha mãe adora a Rebecca e se irrita com a minha decisão firme do divórcio, mas mesmo que eu explique quinhentas vezes o motivo do término, minha mãe não aceita e diz que o meu final feliz está do lado daquela mulher, mas tudo o que Rebecca tem de mim é meu desprezo eterno.

Ligo o carro e dou a ré para sair da minha vaga e dirijo até o portão que se abre, e eu saio apressado. Olho as horas no carro e, apesar de ser quatro horas da manhã, não me surpreendo. Não sei há quanto tempo não tenho um horário normal, de uma rotina normal, mas isso não me importa, se vou ao hospital às quatro da manhã, é porque gosto do que faço.

Estaciono o carro quando eu chego ao hospital e consigo ver uma boa movimentação quando passo pela grande porta de vidro.  Enfermeiras estão correndo de um lado para o outro e aquela bagunça começa a me deixar nervoso, mas tento me manter calmo porque entrarei em uma sala de cirurgia em alguns minutos. Espero que não seja nada grave que eu não possa dar o meu jeito.

— Dr. Miller... Finalmente! — Dr. Carter chamou meu nome, olhei para a frente e ele já estava lá. Jogou-me um jaleco que eu prontamente peguei e vesti enquanto escutava meu chefe me passar algumas instruções sobre o paciente. — Hannah Collins, de 27 anos. Foi baleada. Faça a sua mágica por hoje, Frank.

Concordei apesar de ter sentido um leve toque de familiaridade quando escutei o seu nome saindo da boca de Oscar Carter.

Hannah.

Aquele nome que me atormentou durante tantas vezes, não poderia me atormentar numa sala de cirurgia, pelo menos não quando uma vida está em jogo.

A equipe já conhecida por mim segue para o corredor familiar e fomos direto para a sala onde a vítima já estava pronta para que eu fizesse os meus truques. Assim que observei melhor a paciente, pensei que eu poderia falhar em uma operação por mais simples que fosse e pela primeira vez na vida, tive pavor de realizar uma cirurgia.

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            Eu tinha quatorze anos, era um adolescente estúpido e estava rindo com os outros colegas, Zac e Caleb, das piadas ridículas que ele faziam sobre a única menina alvo de bullying no colégio todo.

            Era sexta-feira e talvez por isso nós estávamos mais animados do que o normal com as risadas. Eu nunca tinha tomado um gole de bebida alcoólica, mas eu sentia que poderia ser confundido com um bêbado de tanto rir.

            E entendam o meu lado, até mesmo um santo riria das piadas idiotas que ouvíamos pelo corredor. Naquele momento até mesmo eu estava chorando de tanto rir que sentia minha barriga doer.

            Não era só o que Zac e Caleb que falavam que ajudava minha gargalhada a se intensificar e sim sobre como eles falavam. Nós éramos os alunos mais populares da escola e sobre tudo o que nós ríamos as outras pessoas riam também.

Agradecia por eles não fazerem piadas durante a aula porque não seria nada legal levar broncas, as quais costumavam ser constantes, porque sempre tinha um engraçadinho com uma piada ou outra para contar.

— Ela parece um palmito. — eu ri com a comparação absurda de Caleb. — Deus, como ela mora em Londres e não é confundida com neve?

Hannah tinha a pele muito clara, como a maioria dos estudantes daqui, mas uma diferença era que além da pele clara ela era magra e alta. Isso rendia apelidos como palmito, girafa, e além dos óculos ridículos que ela fazia questão de usar.

Ainda não entendia porque, depois de tanto tempo e de tantas piadas, ela não tinha trocado aquilo por simples lentes de contato. Era burrice; pelo menos, era isso o que pensavam.

— E além de se parecer com palmito, é burra. — Era Andrew quem falava isso apesar de todas as notas dela mostrarem o contrário.

— Olha ela aí. — Caleb apontou para a menina que tinha acabado de chegar cabisbaixa no corredor da escola. Abraçando os livros contra o peito. E, para o azar dela, para chegar ao seu armário ela precisava passar pelo meu grupinho de amigos. — E aí, palmito, tudo bem?

Ela não respondeu. E é claro, como sempre nos ignorou.

♥ ♥ ♥

Era ela. Depois de tanto tempo Hannah estava bem na minha frente, numa sala de cirurgia com uma bala enfiada no corpo. Respirei fundo.

— Pode começar, Dr. Miller — um dos enfermeiros avisou.

Engoli em seco. Senti meus olhos se encherem de lágrimas e o meu coração se encher de culpa, tudo por causa de minhas lembranças que eu tinha com ela. Apesar de frágil, consegui ver o quanto Hannah tinha mudado com o passar dos anos. Ela se tornou uma mulher. E uma mulher incrível.

Respirei fundo, com o intuito de deixar as emoções de lado.

Eu não podia falhar com Hannah, novamente...

E eu não iria.

Para Sempre ElaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora