Capítulo 15

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Os pássaros cantam enquanto os portugueses estão com as cabeças repousando sobre pedaços de madeira podre.
As movimentações dos marinheiros são constantes, descuidados derrubam algumas caixas, então ouvem os xingamentos de Abel Tomás. Apressados tropeçam no chão molhado, também são ofendidos. O foco são as velas, fortes homens puxam cordas e abaixam as velas enquanto o timão é conduzido em direção a um porto da terra de Portugal.
Ilda desperta primeiro, boceja, coça os olhos, ofende os homens que não vê. Está curiosa, deseja saber o que está acontecendo. Se levanta, recorda-se de que foi instruída pelos adultos a não subir, então resolve acordá-los.
Belarmino não quer despertar. Ilda bate em seus braços, empurra suas costas, bagunça seu cabelo. Seus braços são agarrados, ela tenta se libertar.
O outro provedor acorda. Escuta os barulhos com atenção, os batimentos aceleram, se levanta como um cão faz quando avista um desconhecido. O brilho amarelo atravessa a fina parede, o cega brevemente. Ouve gaivotas grasnando, anda em direção do som. Sai do compartimento de baixo, tromba com homens que parecem muros de pedra, aos poucos a visão retorna.
As aves voam em círculos, baseado em sua visão estão acima de um edifício impossível de identificar, pensa que pode ser um conjunto de árvores. O verde é intenso, o mar é bonito, nitidamente mais claro, puro, difícil de descrever. A mente de Patro brilha, não há explicação, sua boca está totalmente esticada. Me recorda do começo de sua vida, quando seu pai tocou seu peito e o bebê sorriu, feliz sem saber que estava.
Lentamente percebe que seu rosto está quente, não entende. Continua olhando para o horizonte esverdeado, ele anda e desvia dos marinheiros apressados. Repousa suas mãos, aprecia a brisa marinha, o som da água batendo na proa o acalma, está pensando melhor, começa a entender o que seu espírito o quer comunicar.
O cheiro da mata virgem alcança suas narinas. Seus olhos fecham sem que se realize, seu corpo responde ao odor inalado, sua respiração está melhor, o peito enrijece, dores corporais esvaem naquele momento, há sensação de limpeza. É possível sentir o sabor daquela natureza tropical, refrescante, reconfortante, nova. Entra em seu corpo e imediatamente é parte de Patro. Assemelha-se a um abraço, uma recepção gentil, um agrado.
O navio finalmente chega próximo dos grãos incontáveis de areia, a ponte é colocada para que os marinheiros possam descer. Patro e Ilda aguardam sentados em suas malas, observam a vela retrair por completo. Homens descendo de cordas como aves caçadoras, o dono do timão agradece a Deus pela chegada. Os ouvidos de Belarmino escutam de longe o agradecimento ao divino dos europeus, ele se aproxima.
Fica lado a lado com o homem do timão, ele o olha com indiferença, ignora-o. Belarmino segura sua mão direita, a esquerda se ergue para acertá-lo com um soco. Ele diz rapidamente, e com os olhos fechados, que irá fazer uma oração, a mão abaixa.
O dono do timão chama os marinheiros menos ocupados, avisa-os sobre o que farão, vinte sobem correndo. Belarmino pede para que Patro reze com ele, se juntam e se sentam no chão. Diversos olhares dúbios se encontram ou encaram os provedores. Nenhum deles sabiam quem eram verdadeiramente. Alguns se juntam aos dois, muitos permanecem de pé. Eles começam a oração do rumo, as vozes se unem como a lua e o sol em um eclipse, sintonia que emociona marinheiros experientes, não a todos.
Oito homens se levantam, encaram os desconhecidos que pensavam serem criminosos ou pobres desesperados. Faces ameaçadoras, os dedos fecham formando uma pedra. Faces repulsivas, fazem gestos com a boca, tinham a intenção de cuspir, lembram de Abel Tomás e cessam. Faces de ódio, os olhos arregalam e revelam os sentimentos ocultos.
Oito continuam sentados, ignoram os companheiros, dois pedem que Patro e Belarmino prossigam. As mãos se unem, olhos se fecham, cabeças se voltam ao chão, algo que não ocorre em uma oração de provedores, gestos de outra religião. Belarmino não se sente bem ao olhar as posturas dos marinheiros. Patro o cutuca, pede com a voz baixa para que releve a situação. Os provedores mantém os olhos abertos, o mais jovem recita a oração lentamente, os marinheiros repetem.
Abel Tomás observa sem interromper e sem intenção de se juntar. Espera poucos minutos, a oração termina, ele bate palmas, reinicia as ofensas, os oito marinheiros parecem filhotes de cachorros indo em direção a mãe. Tem espaço para se aproximar dos provedores, sem delongas pede para que saiam. Patro vai buscar Ilda.
São os últimos a descer, seus passos são tortos, perdem o equilíbrio facilmente, Belarmino sente enjoos. Abel Tomás está na frente, os conduz sem dizer para onde estão indo. Ilda começa a perguntar para Belarmino o que está ocorrendo, ele tenta segurá-la para calar sua boca. Ela não deixa e lhe morde os dedos.
Patro olha para frente, nota uma carruagem, nada parecida com as carruagens em Portugal. Dois jumentos na frente, um objeto para repousar os pés presos no suporte de transporte feito de madeira, tem um bom espaço interno e é fundo.
Abel Tomás para de andar. Ouvem pela primeira vez um tom amistoso saindo de suas cordas vocais. Depois põe a mão no ombro de um homem que alimenta o animal com uma maçã. Ele se vira e ambos se cumprimentam com um aperto firme de mão. É apresentado aos três portugueses, seu nome é Felipe, não conseguem ouvir o restante de sua nomenclatura.
- Estamos na Capitania da Bahia, Porto Seguro, correto? - diz Belarmino.
- Disse o certo, como soube? - diz Abel Tomás.
- Algumas descrições são familiares ao que li.
- Ler não é uma qualidade para mim. Eu conheço tudo a cá, mas não será a cá que recomeçarão, Gabriel sempre me entrega dinheiro para conseguir carruagens.
- Iremos para outro local? Acabamos de tirar nossos pés do navio - reclama Patro.
- Não late, garoto, fique eternamente agradecido a Gabriel. - Abel Tomás aponta o dedo próximo de Patro. - Meu amigo Felipe Dente de Cavalo os levará para a Capitania de Pernambuco, é um bom lugar, talvez o mais próspero dessa terra suja. - Ele cumprimenta Belarmino. - Até que o sol perca luz. - Ele parte.
Felipe Dente de Cavalo sem pestanejar pega as malas dos portugueses e as joga no compartimento da dita carruagem como se estivesse jogando pedras no lago. Belarmino não gosta, resmunga com seu companheiro, decide não brigar com o homem até então silencioso. Ele sinaliza com as mãos para que entrem no compartimento também, assim é feito. Os jumentos começam a correr após o chicote fibroso acertar suas lombares.
O balançar constante faz Patro ter enjoos, o corpo amolece como se estivesse navegando no mar. Ele olha os arredores, pequenas casas amontoadas próximas a estrada, lares em meio a mata em distâncias maiores. Homens acompanhados de seus filhos cortam as grandes plantas que cobrem o caminho de suas casas. Na estrada vê homens com chapéus furados e calçados gastos. As mãos e pés grossos tem cores esbranquiçadas, semelhantes as mãos dos construtores portugueses. Seus olhos são similares aos que descreveram a ele sobre os japoneses, se escondem na cabeleira lisa e preta. As faces não são minimamente amistosas. Encare esses homens e eles cuspirão no chão, ou segurarão com firmeza suas foices.
Felipe Dente de Cavalo pega seu cantil feito de madeira e bebe goles longos. Olha para trás para oferecer, Ilda pede e Belarmino lhe dá a água. O condutor fala baixo, os três não sabem se está falando com eles ou se está comunicando consigo mesmo. Ele se vira, e começa a falar:
- Acho muito engraçado a maneira que falam, é muito preguiçoso, familiar e diferente, quando oceis chegam aqui nessa terra, eu sempre me divirto com esse sutaque.
- Não consegui entender quase nada do que o senhor disse também. O teu sotaque me faz rir - responde Patro com um leve sorriso.
Felipe Dente de Cavalo olha para a estrada rapidamente e gargalha. Ao voltar sua atenção para os portugueses é possível ver que faltam oito dentes na frente de sua boca.
- Nosso sutaque aqui na terrinha é diferente de tudo que ouvirão nessa gigante. Tu diz que ri da maneira que falo, se em alguma oportunidade puder ouvir esse mesmo sutaque da boca das nossas muiéres, tenho certeza que irá ficar enfeitiçado, principalmente se olhar abaixo dos corpos delas, jovem.
- Temos uma miúda conosco, tenha compostura - diz firme, Belarmino.
- Não me importo com o que ela ouve, aliás, outros homens falarão palavras piores ou semelhantes quando for mais velha.
- O que nos aguarda na Capitania de Pernambuco? Pouco sabemos sobre aquele local - diz Belarmino, que abre sua mala para pegar sua boina e abanar em seu rosto.
- Naquele lugar há muito o que se ver. Vilas com muiéres lindas esperando cavalheiros dispostos a gastar. Homens poderosos esperando miserávis para trabalhar por eles. Escravos para comprar e bater. Bebidas para degustar. Não terão do que reclamar.
- Existem oportunidades para uma boa vida?
- Boa vida, ocê diz. Depende das amizades e o lar que nasce. Deus não nos faz todos filhos de políticos ou os donos de engenho.
- É difícil viver a cá? - diz Patro.
- Sobrevivemos como a vida nos permite. Trocados, serviços do campo, caça. - Felipe Dente de Cavalo bate no jumento com mais força. - Um dia te acharei e te convidarei para beber cachaça, então lhe farei a mesma pergunta.

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