Capítulo 36

1 1 0
                                    

A claridade das sete da manhã pinta as paredes de seu quarto. Ao senti-la no rosto a visão escurece como se passasse por um túnel. A última recordação é a escuridão, vive nela pelo quinto dia consecutivo.
Pouco se alimenta, o estômago não dói pela falta de comida, o corpo aceita as reservas de açúcar e gordura, basta beber água e respirar. Os apelos de Belarmino e Ilda são ignorados constantemente, muitas vezes tranca a porta. Lamenta acordar cedo, retira as cobertas do corpo.
Seus sentidos não estão plenos, mas nota a mancha do suor de seus braços e pernas no chão, desvia da mancha.
Bebe água do poço, depois joga o líquido do pequeno balde de metal no cabelo e no rosto, desperta, limpa o suor com as mãos.
Os tijolos estão separados na parede, coloca tudo em um saco. Ergue, não tem força, arrasta pela casa. Se encontra com o filhote, está nu, o cabelo está bagunçado, as pálpebras estão inchadas e cortadas na parte inferior. O restante dos equipamentos estão nos pés dele para terminarem o muro sugerido por Belarmino.
Hermínio evita andar pelo corredor após o ocorrido com o pai, olhar o cômodo gera lembranças intensas em seu espírito. A ideia da construção do muro se origina de seus pesadelos, insônia e falta de apetite.
O cimento é jogado e os últimos tijolos são fixados, não há brecha sequer para o ar. A emoção carregada se liberta de Hermínio, berra junto com seu lamento. Patro o abraça, declama a oração da criação na Morada. Agora escuta o nariz dele fungar, o corpo relaxar e a voz acalentar. Pergunta se está pronto para o final, não há resposta dita, somente física.
A fétida toga ele veste junto da desbotada boina. Hermínio está com um velho terno apertado e curto costurado por sua mãe quando tinha dez anos. Adentram o pequeno terreno cedido e pago pelos provedores, Hermínio exigiu que o pai fosse enterrado em meio as árvores.
O filhote se ajoelha perto e de frente para a lápide. Patro teve o pensamento de tirá-lo, repensa, se desloca para se ajoelhar ao lado direito dele. Junta as mãos na posição da oração da criação na Morada, pede que Hermínio o acompanhe e aprenda.
Um som fino e intenso atravessa seus ouvidos, assemelhasse ao fio gasto de um violino, depois ocorre uma conjunção ao sopro forte que bate nas folhas. É abatido com uma sensação nostálgica, de pressão sobre a mente, de fraqueza total.
Seu pescoço não vira, aparentemente nenhuma parte do corpo está em seu controle. Descobre que os olhos estão a seu domínio natural. Olha para Hermínio, está estático e não escuta sua respiração, o ambiente todo está silencioso. Fita a lápide, o nome de Armando está torto e borrado. Reconhece o formato desforme que ultrapassa a ponta da lápide. Gêmeo retorna.
— Tu surge em mortes, meu espírito derrama sangue e lágrimas, e tu surge. Tu faz planos para me entristecer? Molda um destino com a intenção de me fazer um homem de espírito miserável?
— Apazigue e acomode suas decepções para si, Patro. Aconselho que não use o seu pensamento lógico para entender as intenções, se tornará triste e cansado. Não é somente você o motivo de tudo o que permito que testemunhe estar acontecendo.
— Fala palavras desconhecidas a mim. Não o faz para mim tu disse. Revele por quem? Quem deseja ver meu sofrimento?
— O sofrimento não é causado pelas intenções, nada de mal te fiz, o oposto foi realizado, salvei você, e realizamos um acordo, é essa a razão da aparição.
A condição de seu corpo não permite que sua mente transfira ao seu todo o nervosismo. O acordo.
— Te congratulo pelo êxito, é um humano que honra os ensinamento de sua crença, poucos são como você, regozije-se, é uma raridade em sua raça, o humano correto. Resta a parte prometida e entoada, o nome de seu filho deverá ser... — A pausa dura segundos, não na mente de Patro. — Oragios.
— O nome. Me recordo de ter prometido uma dádiva, não havia dito a mim o que era, ou para quem será a honraria. Apelo a ti para que me revele a dádiva.
— Não.
— Por que o segredo? Tu estais a esconder uma abominação? Quer o mal a mim e a meu filho?
— Não diga "tu". Não sou, não vivo, meramente existo.
— Uma nomenclatura é necessária para conversar. Posso te nomear de Entidade Sem Luz e Sombra?
— Não há importância.
— Apelo para me revelar, Entidade Sem Luz e Sombra.
— Apazigue, Patro. Apenas reflita: foi salvo do mar pelo poder que tenho, aquilo também foi uma dádiva, em seu ponto de vista. Não sabe ou saberá o porquê de ter sido salvo, não precisa ter esse conhecimento. Por que conceder outra dádiva a você?
— "Você"? A mim, tu diz. Pois... Pois... Não a nada a responder, nada tu me revela.
— Revelei que não deve tentar me entender. Compreenda, não quero males a você, a nenhum de vocês.
O nervosismo o faz esquecer das palavras anteriores. O nome do filho existe, mas se debate da razão da revelação.
— Meu filho não nasceu, porém, o nome me foi dito.
— Ele será revelado, vi os acontecimentos de Dorina, aqueles que irão existir.
— O teu poder de ver o posterior, me recordo. Ela dará um filho a mim, consegui.
— Não tenha convicção. O seu filho pode não nascer, eu vi a revelação, não o parto, não verei, não existe intento.
— Não diga isto. Um filho não pode ser perdido, não o faça.
— Dependerá da mãe. Sua atual situação os distanciou, terá que confiar nela, essa é uma das vertentes dos provedores, a confiança nos humanos.
— Perdoe a insistência minha, diga a dádiva, qual o male?
Hermínio o empurra pelo ombro cobrando o ensinamento da oração. Patro está tenso e acredita que Gêmeo ainda está ali. Se desequilibra e se assusta com o retorno a realidade. Bate o lado direito do rosto no mato, o filhote se desculpa, ele não o ouve. Procura pela entidade com os olhos, há tantas dúvidas que quer apagar de si, tenta adivinhar qual será a dádiva que será entregue, raciocina pela conversa que será o filho que a receberá. Cessa a adivinhação após Hermínio se debruçar em seu braço.
Reposiciona-se como antes. Dita calmamente e pausadamente a oração. Hermínio também volta a se ajoelhar, se agita com as três primeiras estrofes, a sensação pacífica lhe esquenta o corpo.
Não quero testemunhar novamente essa oração, o comportamento dos provedores está me causando repugnância. A aparição de meu igual seria bem-quista, tenho perguntas a fazê-lo.
Sou atendido.

AVENÇA IMORTALWhere stories live. Discover now