Capítulo 33

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— Conheço tua pessoa, não está agindo como tu és. Percorre um caminho que poderá te fazer sentir culpa até que encontre o perdão criacional. Por que não pedir por conselhos do Criador do Ser ou do anjo? Temo muito pelo que irá ocorrer com o homem que tanto admiro.
— Não se importe em demasia com minha pessoa. Minha decisão foi feita tempos atrás, Dorina é nossa esperança de mudança.
— Infringirá outro mandamento nosso.
— Infelizmente mais de um.
— Qual?
Patro virou a cabeça. Os pensamentos acumularam dentro dela, o pescoço cedeu. Respondeu em tom baixo:
— O carnal.
Belarmino se levantou do banco.
— O que este acordo com o enviado do Criador do Ser fez a ti? Infringirá muito. Por que não disse a verdade por inteira no barco? Ou em outras tantas ocasiões?
— Não sei. Talvez para não viver esta situação com meu amigo, para não ser julgado. Não podemos julgar um ao outro.
Belarmino olhou seriamente a ele, se sentou. Mudou a expressão, pareceu relaxado.
— Como eu havia dito no barco: mensagens criacionais nunca podem ser interpretadas usando nosso limitado saber. O que foi acordado? — disse Belarmino.
— Pela salvação de minha vida, a criação de outra.
— Um incrível e proibido propósito a um Provedor da Nova Cruz. Não entendo. Por que o Criador do Ser faria isso a um de nós conhecendo nossos ensinamentos?
A respiração de Patro mudou, não conseguiu conter o ar que saia pelo nariz.
— Porque ele sabe o quão insignificante nosso esforço foi, é e será.
Belarmino segurou sua nuca e seu pescoço, a suada testa tocava em sua têmpora.
— Onde surge tal desrespeito pelo Criador do Ser e pela escritura de Adão do Sacramento? Desvaloriza o teu próprio trabalho e legado, está perdido, é muito jovem! O acordo com o enviado o fez um débil.
— Não! — gritou e ergueu o corpo. — Enxergue como eu. Fomos expulsos e assassinados por pessoas que não admitiam nossa bondade. Por anos pensei que o nosso trabalho excomungaria os males das almas humanas. Não! — Secou com os dedos da mão esquerda a saliva que aglomerou em sua boca. — Nosso trabalho enfureceu almas, espalhou morte e sangue de homens, mulheres e crianças por Portugal. Não temos capacidade de mudar as mentes, não em quantidade satisfatória para a expansão da bondade que pregamos.
— Não aceito tua fraqueza e palavras covardes. Mudamos as almas de milhares, século após século. As histórias contadas pelos sábios Mestres Iluminados do passado e os relatos das cartas dos antes malfadados são a minha prova! A corrente da bondade provedora é grandiosa e engrandecerá muitos depois de nossas mortes.
— Como explicar este país? Estamos em terra diferente, porém, é de Portugal, é nossa, é da rainha! Por dois séculos falamos com os reis anteriores a rainha Maria I, o que ensinamos? Contemos a maldade que assola nossa terra e esta? Olhou quantos homens, mulheres e crianças da África estão sendo castigados fora e dentro da fazenda do endemoniado? Isso é nossa culpa ou não!?
Belarmino abriu a boca, não se pronunciou. Também se levantou.
— Por que não responde? — disse Patro.
— Tu não carrega a Nova Cruz. — Andou na direção contrária. Balançava a cabeça para os lados, o pescoço estava baixo.
A lembrança termina ao receber a carta almejada. Não esconde o sorriso. Os estranhos animais que caminham próximo o encaram tentando entender a felicidade estampada com tanto vigor pelos músculos da face.
Ajeita os cotovelos no balcão de madeira pintado em branco. Abre o envelope, o cheiro do perfume da senhorita adentra seu espírito. Escurece a visão, pede e torce para que seja o que deseja. Desmonta as dobras. As pálpebras levantam sem sentir, a carta está grudada em seus olhos, lê cuidadosamente. Controla seus impulsos de apreensão.
"Não responderei a todas tuas cartas, apenas a última, a quarta na ordem de tuas correspondências merece meus olhos.
Não esperava de ti uma forte atração carnal pecaminosa por minha pessoa, o julguei como respeitoso, cavalheiro, contido, pacífico, honrado. Teu coração é semelhante aos dos outros homens, ao ver uma rapariga deseja cortejar e deitar em tua cama. Conheci poucos senhores, pouca idade tenho e ínfima é minha liberdade, porém fui abençoada pela sabedoria de uma pessoa que amei com fervor.
Ela me contou sobre os homens que fingem ser como o senhor, que gostam de enganar tuas esposas e gozá-las com tuas amantes, tomando as duas como éguas para viver um mísero bom momento. Tu não és como estes homens, ela disse que homens como Elói não existiam, tu és o que julguei.
Em minha vida não pensei em encontrar um homem no qual poderei tomar um chá e ter boa lembrança. Pode vir a mim, estarei aqui, pintarei, olharei o céu, dormirei com minha velha boneca de pano. Não pense que estou ansiando por tua pele, boca e voz, venha no dia 26, se não vier, não venha jamais".
A pós-leitura torna sua pele quente. Não controla o furor da risada. Os outros animais riem dele com ele, as existências de muitos se tornam mais alegres somente naquele momento. Patro relê enquanto anda para fora do estabelecimento, procura detalhes perdidos, mensagens ocultas, indiretas femininas como leu em seu livro. Nota a data escrita, não sabe em qual dia está. Rapidamente procura por uma pessoa para lhe contar.
Interrompe a conversa de dois serventes que varrem uma calçada. Faz a pergunta, é dia 26. Poderá ser o dia do cumprimento de sua parte. As mãos suam, seca em sua calça. Se arrepende, não quer estar fedendo ao ver a senhorita. Pede um copo com água, rapidamente recebe. Joga em sua mão e no rosto, agradece aos dois. A alegria o marca.
O trajeto da casa da senhorita não está claro em sua mente devido ao lugar em que está, anda até um local que reconheça. Mantém-se em ritmo lento, não quer piorar o suor em seu corpo. O ar não preenche seus pulmões, suga com força, põe a mão no peito, se apoia em um muro.
Um homem pergunta se está bem, responde que sim, volta a andar. Esfrega as mãos, sente que estão frias e molhadas, fricciona com mais força. O cansaço aumenta, se senta na calçada, tenta retomar o ar.
Não tem recordações de fatigas tão incisivas, caminha. Opta por ignorar o seu corpo, teme que talvez o Criador do Ser, ou Gêmeo, estejam tentando impedi-lo. Se considera preparado para enfrentar o mal agouro, e a senhorita Dorina.
A noite consome o sol, o único rastro da esfera amarela são as linhas laranjas no céu que embelezam a visão de Dorina. Uma formiga escura caminha no meio da vazia rua, a cabeça está erguida em sua direção. A ligação ocular é sentida, aperta o seio esquerdo, morde o lábio inferior. Sai da janela e encara a porta, abaixa um pouco o pescoço, fecha os olhos e sorri. Ergue e faz a seriedade marcar o rosto.
Ele chega ao destino, ao tão desejado fim. A mão não precisa tocar a porta, o caminho se abre. Metade do rosto jovial da senhorita está atrás da porta, a maquiagem esconde qualquer imperfeição, para Patro elas nunca existiram. O batom rosa é praticamente da cor de seu lábio, mas acrescenta brilho e beleza a parte da senhorita que tanto almeja. O cabelo está solto, cobre o ombro e chega ao cotovelo. O perfume de cheiro doce o puxa para dentro.
Alinha a posição da coluna. Controla os olhos que evitam fitá-la, força-se a adentrar as íris que achava serem escuras, descobre que são cor de mel. Pede a mão da senhorita, lentamente é atendido. Acaricia com o polegar os dedos finos e macios. Dorina desvia a face e os olhos para a esquerda. Pequenas tremidas agitam seus braços, percebe os pelos levantarem.
Coloca a cabeça sutilmente para o lado de fora, muitos andam a vários destinos, a maioria está distante, mas, à frente da casa, percebe três idosas tampando a boca com as mãos, as pálpebras comprimidas de ambas indicam que estão rindo. Patro se preocupa, talvez o segredo dos dois seja comentado pela vizinhança. Embora distantes da terra de Donato, o vento é o veículo da palavra.
Dorina puxa sua gola. Patro fecha a porta, tranca. Os pés pesam, sente que estão presos em areia banhada pelo mar. Ela o fita com a seriedade na face que sempre demonstra, diz:
— Parado nada fazemos. O olhar não penetra, ele é um caminho. Gostaria que cumprisse o que me escreveu, senhor Elói.
Volta aos lábios rosas. Controla a respiração, as canções do coração diminuem o ritmo. Retira o mar e a areia dos pés, anda estendendo os braços, guiado pelas cores do aroma doce vindo do pescoço da senhorita. Suas mãos agarram a macia cintura, sente o próprio corpo esquentar, percebe que o mesmo ocorre com a pele dela. Um sorriso contido surge dos lábios rosas. O rosto branco ganha manchas vermelhas na testa e bochechas.
A mão direita treme, tenta alcançar o queixo ainda branco. Segura sem firmeza, usa o dedo indicador para tocar suavemente em seus lábios, o batom pinta sua pele. As faces se aproximam, parece haver uma conexão de instintos animais suplicando por contato. Os lábios se juntam, sem intensidade. Dorina puxa sua nuca, os dentes colidem, não se machucam, as línguas se tocam.
A tensão no corpo de Patro é inédita, o calor que sente é receptivo. Toca as costas de Dorina, os movimentos dos lábios se intensificam. Ela pede, exige que ele retire o vestido preto liso. Ele passa os dedos pelos seios pressionados, tira as alças de seus ombros. Vê uma parte das aréolas, o vestido cai até a barriga, a garganta seca. Puxa a veste para baixo se agachando conforme a despi. Observa seu umbigo, coxas e pelugem.
Ergue-se. Abre a boca ao descer a visão para os seios em formato de maçãs verdes, quer tocá-los, se contém. Dorina se aproxima com um meio sorriso, as pálpebras esticadas revelam suas intenções. Ela segura sua mão direita e se vira. Observa as pequenas e achatadas nádegas brancas balançarem, libera um silencioso som de felicidade.
Um cheiro familiar percorre o local, tem dificuldade para reconhecer, então interpreta ser o odor natural animalesco de Dorina. A cama do quarto está coberta com um lençol vermelho-claro com desenhos bordados que se assemelham a cabeça de felinos. Patro gira o corpo e se joga. Mesmo deitado retira o paletó dos braços, depois desabotoa o colete azul-chumbo. Dorina retira sapatos, meias e calça, restando a ceroula.
Ele se senta, olha os mamilos alaranjados da senhorita. Molha os lábios, estica os braços simulando querer um enlace. Dorina anda como uma embebedada, sorri para ele, os dentes esbranquiçados destacam-se no lábio rosa desbotado. Os seios cobrem seus olhos. Esmaga a nádega branca com sua mão direita. Ajeita a senhorita em cima de sua cintura.
Une as pálpebras, o passado se reapresenta no ato: seu eu infantil chora. Seu salvador pega em sua mão. O corpo sem vida da mãe sangra pela boca. Belarmino carrega Ilda, estão no pátio do Segundo Ventre, a fumaça preta e o vento se tornam um. Vê Joabe, escuta seus gritos de ajuda. Armando está na cama, faz sons de bebê.
Uma luz branca amarelada faz desaparecer tudo.
Uma mordida na orelha esquerda o desperta, libera o timbre da dor. Dorina põe a boca em sua outra orelha, fala enquanto controla as gemidas:
— Quando despejar, tire de mim, maldito.
Patro treme, os músculos enrijecem. Levanta Dorina pelas axilas, a joga delicadamente na cama. Ela se arrasta para repousar no travesseiro.
Recobra a consciência, preenche novamente os pulmões. Lambe o suor que escorre da base de seu nariz até seus lábios. O silêncio noturno o faz escutar o coração frenético da senhorita, se conduz pelo som, engatinha até ela como um recém-nascido.
Tira os longos cabelos da face. Nota algo no rosto do pretendente, beija-lhe o olho esquerdo, fala de maneira plácida:
— Estar próximo revela muito aos olhos, não havia visto esta cicatriz em teu olho. Qual foi o ocorrido?
Patro toca a cicatriz pela primeira vez, não se recordava que a pedra lhe fez uma ferida.
— Isto... Foi a violência. — Os olhos brilham repentinamente.
— Chorará? Homens choram?
— Não devem. — Utiliza o punho para coçar os olhos com rispidez. — Memórias renasceram ao tocar na marca, nesta lição, neste aviso.
— Quem faria violência contra ti?
— Os espíritos que idolatram sangue. Homens que os provedores nunca tiveram êxito em mudar, que eu não tive êxito. Que escolheram para sempre o caminho dos vis, que machucam aqueles que os veem como escórias, ou os que ofereceram pão e lar.
— Meu Deus. Portugal se desviou do bem?
— Impossível dizer. Tenha convicção que Portugal é uma espada japonesa, e não é única, talvez seja em todo o canto, não sei.
— Uma espada japonesa?
— Sim, um lado é a lâmina, o outro não tem corte. Conheci uma provedora ama de leite que guardava uma espada japonesa do século quinze, era linda, carregava o cheiro da vida no metal.
—Elói, estou contigo, esqueça a violência. — Beija-o no olho marcado.
Patro esconde o rosto no pescoço da senhorita, preenche o vício pelo perfume doce. Se satisfaz, então fala:
— Por que escolheu desfazer tua castidade? Não teme as punições de tua crença?
— As punições de Deus a uma mulher não estão unidas a castidade, estão ao casar, ou ao nascer. Aqui nesta capitania são poucas as senhoritas que permanecem intocadas. Muitos são os homens que nos cortejam e usam nosso fervor carnal da juventude.
Apoia o travesseiro na parede e se senta, está em frente ao rosto jovial.
— Senhorita, sobre o noiva...
— Estou a falar — o interrompe —, aguarde. A razão de eu ter me deitado contigo é, também, ao comum motivo que lhe disse, porém, não é o maior motivo.
Patro balança o cabelo com a mão esquerda.
— Tua face é gozada. Donato saberá o que fizemos. Tenho a certeza de que se enfurecerá. — Ri com os dentes à mostra.
— Não o faça! — Aproxima seu rosto ao de Dorina. — Ele está odioso com minha pessoa, irá desfazer tudo o que fiz.
— A pouco quis chorar e agora revela covardia — eleva o tom na última palavra. — Tu arriscaste muito ao fazer o que fez. Ele saberá disto e não irá desfazer nada, pois escolhi a ti como marido.
O português ri novamente ao ouvi-la. Desce a visão novamente para os seios. Recobra a concentração.
— Ele não aceitará.
— Donato não poderá controlar cada respiração e toda palavra de minha vida sempre.
— Me escolherá mesmo após ver o brinco? — Patro afaga sua bochecha direita.
— Havia esquecido, retiro absolutamente tudo o que disse.
Os dois se abraçam. As risadas altas são convertidas em uma canção. Rolam no lençol, Patro fica por cima, a beija novamente. Sente delicados dedos passarem pelos seus fios capilares, enquanto encena em sua mente a fúria de Donato contra ele.
Muito quero ver o homem de bigode atacando o provedor. Muito quero ver Gêmeo, gostaria que ele me contasse o que ocorrerá. O motivo de seu sumiço desde a ida ao mundo das almas dualistas ainda está em incógnito.

AVENÇA IMORTALWo Geschichten leben. Entdecke jetzt