Capítulo 27

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Observa pela janela os seus companheiros de servidão molharem a terra com o esforço escorrendo dos topos de suas cabeças e testas. Acontece uma paralisação quando uma carruagem formosa surge e depois estaciona.
Veste um dos quatorze ternos de Donato. A diferença para os outros era a cor marrom do paletó, não gosta, mas não disse a ele, nada falam há dois dias.
Escuta batidas. O outro provedor está com a feição enfezada. Patro anda para trás com dois passos, põe as os braços na frente do tórax. Belarmino fecha a porta, apoia as costas nela, então diz:
— As duras ocasiões me distraíram para o que vi tu fazer. Não quero guardar em mim histórias injustas — Abaixa a cabeça, o cabelo esconde os olhos —, não minta, não se esconda, o que ocorre entre Elói e a senhorita Dorina?
Não saem palavras de sua garganta, tosse.
— Belarmino, te peço que me deixe passar, me atrasarei, não posso desapontar a senhorita.
— Não se esconda! — vocifera, agora o encara. — Não preciso lhe revelar as regras que nos regem.
— O que estou fazendo é para cumprir o acordo com o anjo.
— Revela o fato! Tu não me esconda e não minta.
— É necessário uma mulher para cumprir o que me foi obrigado. — Pousa a mão esquerda em seu ombro. — Vá para o canto, te peço.
Belarmino coça o topo da cabeça. Respira com profundidade e inspira sem controlar. Estica braços e mãos, se aproxima. Puxa o paletó e elogia o material, o abraça.
— A carruagem está o esperando. O perfume da senhorita está distraindo a todos no curral, corre para não perder a senhorita. — Sorri. — Conversaremos em outra ocasião, não irá se esconder de mim.
Patro o empurra e corre. Entra no corredor e avista Donato. Retira a ligação ocular, coloca a mão esquerda no corrimão. Seu pescoço é agarrado.
— Não permita que meus pensamentos te retirem como pretendente. Ela deverá rir, nunca chorar, as bochechas devem estar rosadas e a cabeça sempre erguida. Se Dorina me disser o contrário, tua estadia e a de seus companheiros irá acabar. — Aperta o pescoço dele com as pontas dos dedos, as unhas cravam na pele. Retira a mão dele sem encará-lo, os arranhões ardem e coçam.
Corre pelas escadas, abre a porta. Vê a carruagem aberta. Do lado direito todos os serventes estão parados e comentando sobre a sorte do chefe em conhecer uma senhorita tão cheirosa. Patro acena, eles se entreolham, é possível ouvi-los anunciarem suas descrenças em relação a ida do português a carruagem, aplausos são direcionados. Da janela de seu quarto, Belarmino os imita.
Se acomoda na poltrona, tenta esconder a face envergonhada. Tenta encher os pulmões. Olha para Dorina, arruma o paletó. Abaixa levemente a cabeça em sua direção, estica o cotovelo e abre a mão esquerda. Ela pergunta se "está com saúde". Patro recolhe a mão após esperar dois minutos pela mão da moça. Os sons das palavras não saem da garganta, sinaliza positivamente com a cabeça.
Dorina distrai a visão com a paisagem de fora, Patro faz o mesmo. O cheiro percorre suas narinas, inala, cerra os olhos, tem vontade de sorrir. Torce o pescoço alguns centímetros, nota o vestido preto com bordado azul-claro semelhante a um pedúnculo floral com espinhos. Seus pés estão calçados com uma sapatilha de couro bege costurado com linha verde.
— Onde estamos indo? — A pergunta faz Patro tremer os ombros, seu rosto mostra contornos de surpresa. — O cocheiro disse que o senhor planejou o passeio, porém que não foi permitido que contasse a mim.
— Quantas vezes bebeste café?
— Não me recordo, creio que nunca o fiz.
— Teu pai conhece um cristão novo vindo da Espanha, recentemente construiu um prédio para beber café, faz tempo que não bebo, é uma boa bebida para conversar.
— Está usando a cabeça para imaginar passeios, está melhorando. Mas tenho gosto por álcool. — Põe a mão na boca, cobre o sorriso.
Os cavalos param de criar canções com seus cascos. O cocheiro abre a porta. Patro o agradece, estica a mão. Dorina se apoia com seu auxílio, imediatamente reconhece o Bairro do Recife, estão na área dos estabelecimentos comerciais. Patro oferece o braço, a acompanhante olha o gesto, anda a sua frente. Grita pedindo que indique o caminho. Balança a cabeça negativamente e ri, parte para alcançá-la.
Vagueiam entre dez tipos de rostos que não convive. Eles têm narizes grandes. Bigodes longos e pretos ou barbas cheias. Alguns usavam grandes cartolas. São morenos, os olhos eram um pouco puxados. Pergunta a Patro de onde vinham. Diz que pela sua experiência com habitantes de outros povos, arrisca que são os supostos descendentes de Abraão, provavelmente originados do Oriente Médio, mas fugidos para Portugal ou Espanha. Dorina puxa a manga e cobre o nariz quando um deles se aproxima.
Patro fica estático ao ver o estabelecimento de paredes rosas com telhas pintadas de verde. As janelas são vermelhas pendendo para o marrom. As mesas e cadeiras são brancas. São recebidos por um homem baixo, careca, usa óculos redondos, seu rosto não tem pelos, o nariz é grande como o dos outros, aparenta ter quarenta anos.
É apresentado a Dorina e informado que ela é filha de Donato. Junta as mãos assim como os provedores fazem na oração do zelo, mas aponta para ela. Beija a mão da senhorita, aperta a de Patro. Estica os braços na direção do interior do estabelecimento. Dorina entra primeiro, Patro anda com velocidade, movimenta os olhos para escolher um lugar. Há somente três casais e muitos assentos vazios.
Puxa a cadeira próxima da janela, chama por ela. Dorina se aproxima, o encara, empurra seu peito, se acomoda, arruma o assento e cruza os braços. Uma mulher jovem de vestido verde longo os cumprimenta com a cabeça e informa as opções daquele dia. Patro escolhe café turco, Dorina prefere café oriundo do solo brasileiro.
Dorina inclina a cadeira e olha para fora. Atenta para a conversa de um dos casais. O assunto está acontecendo a algum tempo, não compreende o que dizem. Ambos riem, trocam toques na mão, nos braços e ombros. Apenas a mulher fala, se compara a ela, não tem nada a dizer.
Atenta ao acompanhante. Ele esconde os lábios, bate os dedos indicador e médio na mesa ininterruptamente e observa o chão. Torce o pescoço para trás e solta o ar com força. Introduz um assunto:
— Um caroço de pêssego flui mais energia que o senhor. Nenhum homem quieto realiza tuas ambições.
Patro cessa a batida de dedos. Encosta as costas na cadeira, junta as mãos na mesa.
— Pensamentos inundam minha mente, quero lhe perguntar, porém, não pretendo ser indiscreto.
Dorina fecha os olhos e ri.
— É um homem bondoso e preocupado. Homens como o senhor são escassos na sociedade de cavalheiros. Homens como o senhor estão nas ruas passando fome e fedendo. Decide tua vida por si? Ou teu amigo e a criança o fazem?
Patro força as sobrancelhas para baixo e fita a acompanhante. Os cafés chegam. Dorina toma um gole, não faz careta, mantém a xícara na mão. Patro põe o dedo indicador na bebida, está quente para o seu gosto. Decide falar:
— Por que não retorna ao lar com teu pai?
A mão direita de Dorina treme, derruba café em seu vestido, a veste impede que se queime. Patro pega o guardanapo de pano na mesa. Ela coloca a mão no lado esquerdo de seu rosto, sinaliza negativamente com a cabeça e o empurra. Ele volta ao assento.
Cruza as pernas, junta os braços acima dos seios. Sua feição é enervada, abre a boca:
— Tinha, continuarei tendo, enorme respeito por minha avó. Ela tinha muito a me ensinar, por muito tempo aprendi sobre tua jornada para que eu não tenha a vida que ela teve com meu avô. Escolhi viver com ela em detrimento de meu pai pois ele não me ensinaria sobre a vida — Seus lábios e mandíbula tremem, seu olhar é vazio —, seria o contrário.
— Contrário?
Dezenas de imagens surgem em sua mente. Suas mãos estão molhadas. Bebe o café, encara a bebida, as ondulações pretas a distraem, aos poucos enxerga o vermelho. Um homem aparece, semelhante ao primeiro morto presenciado.
Essas lembranças poderão ser interessantes. Vejo em sua mente uma animal idosa.

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