Capítulo 3

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Gêmeo desce para o mundo das almas dualistas pela primeira vez. Não compreendo, meu vasto conhecimento não me oferece a resposta para a atitude deveras inusitada.
Sempre soube de sua curiosidade misteriosa em relação aos animais dualistas, entretanto, descer e estar próximo de um deles não é imaginável, sinceramente, é abominável vê-lo na baixa-realidade. Sua obrigação não era observá-los como faço, ou estudá-los, confesso que me transformo essencialmente em curiosidade.
O caolho tenta se mexer, intenciona abraçar a imagem desforme mesmo sabendo que é impossível.
Gêmeo observa, analisa a situação de seu corpo ferido, impossível saber o que pensa, não diz nada. O caolho quer falar, contudo, não pode abrir a boca, se esforça para fazê-lo, tolo.
Noto Gêmeo se movimentar a frente, aproxima-se do humano, ele percebe, posso ver as ondas cerebrais se agitarem, provavelmente acha que é o momento de ser carregado pelo deus imaginado por seus antecessores. Novamente tenta se mexer. Gêmeo se comunica mentalmente com ele. A surpresa me acomete, ou permanece sendo curiosidade?
O caolho, se pudesse, gritaria como uma criança ao receber um agrado, a agitação intensa em sua mente pode ser ouvida por mim como um trovão, certamente Gêmeo sabe o mesmo.
Adentra a mente do humano, diz:
- Apazigue sua mente, provedor. Você não fará bem ao corpo e a alma ao estar tão agitado - A felicidade não cessa, a intensidade da mente continua. - Apazigue, se continuar em seu estado atual não poderá se ajudar.
Aparentemente entende, gradualmente sua atividade cerebral aquieta, mesmo sem a respiração, consegue se acalmar. Gêmeo também nota.
- Obedecer é parte de ser humano, agora podemos conversar.
- Meu Protetor, esta é a hora final? Me carregará a meu descanso eterno?
- Por que acha que sou seu criador?
- Ora... eu... sinto que és tu, meu Criador do Ser.
- Por quê?
- Os olhos me revelam o impossível.
- Seus olhos lhe revelam o poder original, não o de seu deus criador.
O caolho fica em silêncio, poucas vezes vi um humano não ter nenhum pensamento. É uma pedra, uma água-viva.
- Tu não é meu Criador? Quem é?
- Sou uma existência que você não deve tentar entender, não deve conhecer. Estou aqui somente pelos seus atos. Quando observo as ações humanas, sei exatamente o que irão fazer antes de fazerem.
- Tua fala é confusa, compreendo, porém, não compreendo. É um sonho? Nada tem tanto poder, apenas Ele ou o Criador do Ser. Me liberta!
- Eu farei, mas, terá que aceitar minha palavra.
- Não me salvará?
- Eu te ajudarei, mudarei o seu destino, farei com que viva. Primeiro responda o que eu perguntar.
- Como?
- Não tente me entender, apenas me ouça. Você estima a vida e acolhe a morte? Ou. A vida não está sobre o seu comando e a morte é a consequência da vida?
Sua mente está branca, vazia, quieta, imita o seu estado físico. A manivela que o faz pensar se quebra. Gêmeo nada fez para inseri-lo ao sua meditação repentina, continua dentro de sua mente, assim como eu.
Acho que nós dois pensamos o mesmo. O caolho está tentando encontrar uma resposta, ou, algo o faz voltar a se sentir uma pessoa que há muito não é.
A mente continua branca e inativa, o humano não pode soltar lágrimas, nitidamente está em conflito, mesmo que não possa demonstrar. De repente, há imagens, visualizo uma mulher, aparenta estar na meia-idade, seus olhos estão fechados, seus lábios contém sangue, sua mão direita é segurada por um pequeno menino.
Compreendo.Uma memória retida, um passado esquecido, começa a se recordar, absorverei tudo.

AVENÇA IMORTALWhere stories live. Discover now