Romance LXXIII ou da inconformada Marília

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Pungia a Marília, a bela.
negro sonho atormentado:
voava seu corpo longe,
longe, por alheio prado.
Procurava o amor perdido,
a antiga fala do amado.
Mas o oráculo dos sonhos
dizia a seu corpo alado:
“Ah, volta, volta, Marília,
tira-te desse cuidado,
que teu pastor não se lembra,
de nenhum tempo passado...
E ela, dormindo, gemia:
“Só se estivesse alienado!”
Entre lágrimas se erguia
seu claro rosto acordado.
Volvia os olhos em roda,
e logo, de cada lado,
piedosas vozes discretas
davam-Lhe o mesmo recado:
“Não chores tanto, Marília,
por esse amor acabado:
que esperavas que fizesse
o teu pastor desgraçado,
tão distante, tão sozinho,
em tão lamentoso estado?”
A bela, porém, gemia
“Só se estivesse alienado!”
E a névoa da tarde vinha
com seu véu tão delicado
envolver a torre, o monte,
o chafariz, o telhado...,
Ah quanta névoa de tempo,
longamente acumulado...
Mas os versos Mas as juras
Mas o vestido bordado!
Bem que o coração dizia
- coração desventurado -
“Talvez se tenha esquecido... “
“Talvez se tenha casado...”
Seu lábio, porém, gemia:
“Só se estivesse alienado!”

Romance da inconfidência (Completo)Where stories live. Discover now