Fala dos pusilânimes ( medrosos/ fracos/covardes)

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Se vós não fôsseis os pusilânimes,
recordaríeis os grandes sonhos
que fizestes por esses campos,
Longos e claros como reinos;
contaríeis vossas conversas
nos lentos caminhos floreados,
por onde os cavalos, felizes
com o ar límpido e a lúcida agua,
sacudiam as crinas livres
e dilatavam a narina,
sorvendo a úmida madrugada!
Se vós não fôsseis os pusilânimes,
revelaríeis a ânsia acordada
à vista dos córregos de ouro,
entre furnas e galerias,
sob o grito de aves esplêndidas,
com a terra palpitante de índios,
e a vasta algazarra dos negros
a chilrear entre o sol e as pedras;
na fina aresta do cascalho.
Também pela vossa narina
houve alento de liberdade!
Se vós não fôsseis os pusilânimes,
confessaríeis essas palavras
murmuradas pelas varandas,
quando a bruma embaciava os montes
e o gado, de bruços, fitava
a tarde envolta em surdos ecos.
Essas palavras de esperança
que a mesa e as cadeiras ouviram, repetidas na ceia rústica,
misturadas à móvel chama
das candeias que suspendíeis,
desejando uma luz mais vasta.
Se vós não fôsseis os pusilânimes,
hoje em voz alta repetiríeis
rezas que fizestes de joelhos,
- súplicas diante de oratórios,
e promessas diante de altares,
suspiros com asas de incenso
que subiam por entre os anjos
entrelaçados nas colunas.
Aos olhos dos santos pasmados,
para sempre jazem abertos
vossos corações, - negros livros.
Mas ai! fechastes vossas janelas,
e os escaninhos de móveis e almas...
Escrevestes cartas anônimas,
apontastes vossos amigos,
irmãos, compadres, pais e filhos...
Queimastes papéis enterrastes
O ouro sonegado, fugistes
para longe com falsos nomes,
e a vossa glória, nesta vida,
foi só morrerdes escondidos
podres de pavor e remorsos!
Vistes caídos os que matastes,
em vis masmorras, forcas, degredos,
indicados por vosso punho,
por vossa língua peçonhenta,
por vossa letra delatora..
- só por serdes os pusilânimes,
os da pusilânime estirpe,
que atravessa a história do mundo
em todas as datas e raças, como veia de sangue impuro
queimando as puras primaveras,
enfraquecendo o sonho humano
quando as auroras desabrocham!
Mas homens novos, multiplicados
de hereditárias, mudas revoltas,
bradam a todas as potências
contra os vossos míseros ossos,
para que fiqueis sempre estéreis,
afundados no mar de chumbo
da pavorosa inexistência.
E vós mesmos o quereríeis,
ó inevitáveis criminosos,
para que, odiados ou malditos,
pudésseis ter esquecimento...
Chega, porém, do profundo tempo,
uma infinita voz de desgosto,
e com o asco da decadência,
entre o que seríeis e fostes,
murmura imensa: “Os pusilânimes!
“Os pusilânimes!” repete
o breve passante do mundo,
quando conhece a vossa história!
Em céus eternos palpita o luto
por tudo quanto desperdiçastes...
“Os pusilânimes!” - suspira
Deus. E vós, no fundo da morte,
sabeis que sois - os pusilânimes.
E fogo nenhum vos extingue,
para sempre vos recordardes!
Ó vós, que não sabeis do Inferno,
olhai, vinde vê-lo, o seu nome
é só - PUSILANIMIDADE.

Romance da inconfidência (Completo)Where stories live. Discover now