Romance LXXVII ou da música de Maria Ifigênia

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Ecos do Rio das Mortes,
repeti com doce agrado
o exercício mal seguro
que anda naquele teclado.
Duas mãozinhas pequenas
procuram de cada lado
o sigiloso caminho
que está na solfa indicado.
Ai, como parece certo!...
E como vai todo errado...
Ecos do Rio das Mortes,
este som desafinado,
este nervoso manejo,
têm destino assinalado,
Triste menina, a que estuda
com tão penoso cuidado...
Tratada como Princesa,
para que estranho reinado?
Vai ver sua mãe demente,
vai ver seu pai degredado...
Ecos do Rio das Mortes,
são mais felizes, no prado,
o vento, em redor das flores,
a luz, em redor do gado,
o arroio que canta espumas
em suas lajes deitado...
E os brancos pombos redondos,
em cada curvo telhado;
e os ruidosos papagaios
gaguejando seu recado...
Ecos do Rio das Mortes,
recordai com doce agrado
o exercício vagaroso
que em breve será parado.
Frágeis dedos, tênues pulsos,
qual será vosso pecado?
Antes fôsseis cavalinhos
em trevo fino e orvalhado;
antes fôsseis borboletas
no horizontal descampado.
Ecos do Rio das Mortes,
nesse piano do passado,
fica uma infância perdida,
um trabalho inexplicado.
Mãos de Maria Ifigênia,
fantasma inocente e alado...
- vosso compasso perdeu-se
por um tempo desgraçado...
(Ébano e marfim, que fostes?
Cemitério delicado.)

Romance da inconfidência (Completo)Where stories live. Discover now