Romance LXIV ou de uma pedra crisólita

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Dizem que saiu dessa casa
com uma crisólita na mão.
Era de noite, era já tarde,
era numa triste ocasião.
As sentinelas escutavam
seu passo pela escuridão.
Trazia de volta essa pedra
que não pôde ser lapidada.
Frustrada jóia - de quem era?
a quem seria destinada?
A morte sempre está com pressa,
e os anéis não lhe dizem nada...
Entrou pela sombra da rua
com o peso da pedra nos dedos.
E a cidade era muito escura,
e o tempo cheio de segredos,
e a noite era uma trama surda
de negras denúncias e medos.
Caminhou por ali acima,
sozinho, veemente, calado,
com sua crisólita fria
que tinha dentro um sol fechado.
E seguiu por aquela esquina,
com seu passo já condenado.
Dias depois é que foi preso,
entre uma parede e uma cama,
segundo os rigores do tempo
e os elos da noturna trama.
E rolou pelo esquecimento
sua crisólita sem chama.
Talvez nem crisólita fosse...
As pedras sempre enganam tanto!
Há muitos aleives na noite..
Havia espiões em cada canto:.
(As vezes, pela mão de um homem
podem brilhar gotas de pranto...)
Ele era o Alferes Tiradentes,
enforcado naquela praça:
muitas coisas não se compreendem,
tudo se esquece, o tempo passa..
Mas essa crisólita, sempre,
parece diamante sem jaça.
E era uma simples pedra fosca,
e ficou sem lapidação.
Quando se fala nela, a sombra
desfaz-se como cerração.
E sua luz bate no rosto
do homem que a levava na mão.

Romance da inconfidência (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora