Romance LXXII ou de Maio no Oriente

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Em Maio, outra vez em maio,
depois de anos de terror.
Não mais guardas nem correntes
de ordem do Governador;
não mais, por serras e bosques,
longo caminho de dor;
não mais escuras masmorras,
não mais perguntas de algoz;
não mais a nau do degredo,
não mais o tempo anterior.
- Juliana de Mascarenhas
desposa o antigo Ouvidor.
Pela Sé de Moçambique
murmuram a meia-voz:
“Não tinha amor... Nunca o teve...
Loucura que já passou.
Tudo eram sonhos de Arcádia,
ilusões da vida em flor...
Palavras postas em verso,
doce, melodioso som...
Festival em prados verdes
com o ouro a crescer ao sol.”
Em maio, outra vez em maio,
depois de anos de terror.
Juliana de Mascarenhas
levantou-se do altar-mor.
Sobre os Santos Evangelhos,
o antigo noivo jurou.
(É certo que hoje está sendo
alguém que outrora não foi.
O coração que já teve,
quem lho tirou e onde o pôs?)
Eis que a voz murmuradeira
recomeça o seu rumor:
“Como era aquele vestido
que com sua mão bordou?
Todo de cetim precioso
recamado de esplendor?
O dedal com que o bordava,
no seqüestro se encontrou!”
Mas outros vão respondendo
à murmuradeira voz:
“Bordado só de quimeras,
com suspiros em redor...
“Dizem que muito pesava
tão portentoso lavor...
“Ai, pesava como ferro,
e era tudo vento e pó!”.
Em maio, outra vez em maio,
quando o mundo é todo amor!
Maio que vais e que voltas,
quanto tempo já passou!
Pelas Minas enganosas,
quem soluçará de dor?
Levantai-vos, negros montes,
faze-te, oceano, maior!
- Tomás Antônio Gonzaga,
longe, no exílio, casou.

Romance da inconfidência (Completo)Where stories live. Discover now