Romance LXXI ou de Juliana de Mascarenhas

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Juliana de Mascarenhas
que andas tão longe, a cismar,
levanta o rosto moreno,
lança teus olhos ao mar,
que já saiu barra afora,
grande e poderosa nau,
Senhora da Conceição,
Princesa de Portugal.
Vai para o degredo um homem
que breve irás encontrar
- claros olhos de turquesa,
finos cabelos de luar.
Vai para o degredo um poeta
que se não pôde livrar
de Vice-Reis e Ministros
e Capitão-General.
E era a flor do nosso tempo!
E era a flor deste lugar!
Lá se vai por essas ondas,
por essas ondas se vai.
Seca-lhe o vento nos olhos
perolazinhas de sal;
seca-lhe o tempo no peito
sua força de cantar;
as controvérsias dos homens
secam-lhe no lábio os ais;
e as saudades e os amores
não sabe o que os fez secar.
Juliana de Mascarenhas, distante rosa oriental,
estende os teus negros olhos
por essas praias do mar:
vê se já não vai baixando,
vê se já não vai baixar,
dentre as velas, dentre as cordas,
dentre as escadas da nau,
aquele que vem de longe,
aquele que a sorte traz
- quem sabe, para teu bem,
- quem sabe, para seu mal...
Ai, terras de Moçambique,
ilha do fino coral,
prestai atenção às falas
que vão correndo pelo ar:
“Aquele é o que vem de longe,
que se mandou degredar?
Por três anos as masmorras
o viram, triste, a pensar.
Os amigos que tivera,
amigos que não tem mais,
foram para outros degredos;
- Deus sabe quem voltará!
A donzela que ele amava,
entre lavras do ouro jaz;
na grande arca do impossível
deixou dobrado o enxoval,
uma parte, já bordada,
outra parte, por bordar.
Muito longe é Moçambique..
- Que saudade a alcançará?”
Juliana de Mascarenhas,
Deus sempre sabe o que faz:
põe teu vestido de tisso,
bracelete, anel, colar.
Mais do que Marília, a bela,
poderás aqui brilhar.
Vem ver este homem tranqüilo
que mandaram degredar.

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