Romance XIII ou do Contratador Fernandes

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Eis que chega ao Serro Frio,
à terra dos diamantes,
o Conde de Valadares,
fidalgo de nome e sangue,
José Luís de Meneses
de Castelo Branco e Abranches.
Ordens traz do grão Ministro
de perseguir João Fernandes.
Tudo pela febre e o medo
do ouro - febre e medo que, antes,
deceparam no ar a estrela
dos contratadores Brantes.
Chega o Conde mui cansado.
Chega o Conde mui fingido.
(Ai, quem possuíra a riqueza
que borbulha no Distrito,
- sem descer do seu cavalo...
- sem meter os pés no rio...
-
Quem, do dia para a noite,
ficara podre de rico!)
Lá vem cavalgando o Conde,
com modo imponente e altivo.
Lá vem cobrindo o Tejuco
seu cobiçoso suspiro.
- Conde, por que estais tão triste?
Confessai-me a vossa pena.
(Assim fala João Fernandes,
dono da terra opulenta.)
Aqui tendes meu palácio,
os vinhos da minha mesa,
os meus espelhos dourados,
cama coberta de seda,
o aroma da minha quinta,
a minha capela acesa,
e, fora a Chica da Silva,
minhas mulatas e negras.
Poderoso e hospitaleiro,
assim João Fernandes fala.
Suspira o Conde enganoso.
Já vos digo o que pensava:
“Deste Tejuco não volto
sem ter metade das lavras,
metade das lavras de ouro,
mais outro tanto das catas;
sem meu cofre de diamantes,
todos estrelas sem jaça,
- que para os nobres do Reino
é que este povo trabalha!”
Continuava João Fernandes,
tratando-o em termos de amigo:
- Vinde ver minhas cascatas,
minhas conchas, meu navio!
Se o Burgalhau vos desgosta,
cortá-lo-ei deste caminho,
- pois damos ordens à terra,
mudamos o curso aos rios,
atravessamos as rochas,
saltamos sobre os abismos,
e, na vida que levamos,
só temos certo - o perigo.
Escutava o Conde, imóvel,
como quem traz seu segredo.
Bem sabe as ordens escritas
que existem, para prendê-lo,
caso resista ao convite
de ir prestar contas ao Reino.
Escutava o Conde infido,
calculando voz e jeito
com que comover Fernandes,
subjugando-o a seu desejo,
arrancando-lhe ouro e pedras
como qualquer bandoleiro.
De cotovelo na mesa,
e, grave, inclinando a face,
ao Contratador responde
o astucioso Valadares:
- Pelas provas que já tenho
da vossa honrosa amizade,
dir-vos-ei que muito sofro
a lonjura desta viagem.
Com as inconstâncias do tempo,
minha casa se debate:
que a Fortuna raramente
favorece os que mais valem!
Pensativo, João Fernandes,
dizem que assim lhe responde:
- A Fortuna é sempre cega,
e vária, a sorte dos homens.
Inda que aos da vossa raça
nem deslustre nem desonre
o Fado, com seus contrastes,
quero segurar-vos, Conde,
que em mim tendes um amigo,
entre os vossos servidores.
Alegrai, porém, os olhos,
que alegrareis tudo, ao longe.
- Vinde esquecer a tristeza
ao calor do meu teatro,
onde representam vivos
os dramas de Metastásio
glórias e vícios do mundo
em luminoso retrato.
Vinde espairecer os sonhos,
e distrair os cuidados.
Nas palavras dos poetas
reclinai vosso cansaço.
Estes sítios tornam doce
o coração mais amargo!
Mas em vão fala Fernandes
palavras de tanto acerto.
Sério permanece o Conde,
carregando o sobrecenho.
E quando, à mesa, mais tarde,
com Fernandes toma assento,
não se lhe ilumina o rosto
com o claro cristal aceso
dos finos vinhos copiosos.
Que desejo, que tormento
ensombra a luz de seus olhos
entre os dourados espelhos?
Mas, depois de fruta e doce,
mas, depois de doce e fruta,
colocam diante do Conde
uma terrina ampla e funda,
para que os dedos distraia
de saudades e de angústias...
Agora, o jovem fidalgo
descerra a máscara astuta:
entre suspiro e sorriso,
toma nas mãos e calcula
os folhelhos de ouro, e acalma
a fingida desventura.
(Ai, ouro negro das brenhas,
ai, ouro negro dos rios...
Por ti trabalham os pobres,
Por ti padecem os ricos.
Por ti, mais por essas pedras
que, com seu límpido brilho,
mudam a face do mundo,
tornam os reis intranqüilos!
Em largas mesas solenes,
vão redigindo os ministros
cartas, alvarás, decretos,
e fabricando delitos.)
(Isso foi lá para os lados
do Tejuco, onde os diamantes
transbordavam do cascalho.)

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