Romance LXXXV ou do testamento da Marília

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Triste pena, triste pena
que pelo papel deslizas!
- que cartas não escreveste,
- que versos não improvisas,
- que entre cifras te debates
e em cifras te imortalizas...
Ai, fortunas, ai, fortunas...
Doblas, oitavas, cruzados,
vastos dinheiros antigos,
pelas paredes guardados,
prêmio de tantos traidores,
dor de tantos condenados!
Escreve Marília, escreve
seu pequeno testamento;
na verdade, por que vive,
se a morte é o seu alimento?
se para a morte caminha,
na sege do tempo lento?
Cortesias, cortesias
de quem diz adeus ao mundo:
breves lembranças; presentes
amáveis, de moribundo.
Que sois vós, ouro das Minas,
no oceano de Deus, tão fundo?
Reparti-vos, reparti-vos,
ouro de tantas cobiças...
(Tanto amor que separastes,
entre injúrias e injustiças!
E agora aqui sois contado
para a piedade das missas!)
Triste pena, triste pena...
Triste Marília que escreve.
Tão longa idade sofrida,
para uma vida tão breve.
Muitas missas... Muitas missas..
(Que a terra lhe seja leve.)

Romance da inconfidência (Completo)Where stories live. Discover now