40. invitation

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A luz do dia invadia o quarto através das frestas esvoaçantes da cortina, assim como uma brisa fresca matinal. Eu virei o rosto, constatando que Jaeden ainda dormia tranquilamente, estirado no centro da cama, torto como um desossado. Cada mínima parte do meu corpo estava dolorida, sua cama era rígida feito metal, e minha cabeça doía por conta da minha desidratação, pois nunca havia chorado tanto num dia somente.

Eu me levantei e, silenciosa e cuidadosamente, desvirei a chave na fechadura e sai pela porta, olhando para os lados para me certificar de minha solidão. Jaeden se moveu na cama, e rapidamente bati a porta e corri para meu quarto, me trancando ali dentro também. Ontem havíamos perdido o colégio durante a tarde, uma que gastamos com conversas — muitas sem nexo — sobre assuntos de todos os tipos. Fora um dia bom, triste, tenso e emocionante ao mesmo tempo, eu sequer sabia explicar a causa da minha euforia. Estava tão feliz naquela manhã que nada esmoeceria meu bom humor, mas também me sentia fraca.

Assim que adentrei o cômodo vi um tecido brilhante na cor bege, como se houvesse sido imerso em glitter, acima da cama. Era um vestido não muito longo, as mangas extensas pareciam bem apertadas, e o pano era suave ao toque. Havia um bilhete abaixo da gola, que dizia: 25 de novembro, às 16:30.

Só existia uma explicação lógica para aquilo, e era a festa de noivado. Eu não sabia o que fazer, porque certamente era um momento do qual seria obrigada a desfrutar, e tudo e qualquer coisa no mundo me parecia menos ruim. Mas eu sacudi a cabeça, não ia permitir que Ametise me afetasse — seu objetivo era claramente me fazer sentir culpa. Ela não venceria daquela vez.

Jaeden dissera coisas que me fizeram perceber que sempre insistia em me vitimizar, que tudo para mim era sinônimo de desânimo e desesperança e que, a partir do momento que eu começasse a enxergar as coisas com outros olhos, Finn deixaria de ser a única parte boa dos meus dias. Ele seria apenas uma delas, e eu me sentiria bem nos momentos em que estivesse sozinha.

. . .

— É melhor pararmos com isso... — Caina murmurou com certo medo. Eu descia as escadas ao ouvir meu nome ser citado na conversa das cozinheiras, e parei aos poucos para não ser vista e poder entendê-las. — Ametise disse que eles não se dão bem, e quer chamá-lo apenas para provocar. É isso, fim da história, devemos aceitar.

— Mas como pode uma coisa dessas? — sussurrou Izzy. — Se ela quer evitar confusões, deveria ter ficado quieta ao invés de provocar Millie.

— Esqueça essas besteiras, não há mal algum em convidá-los, todos serão muito bem recebidos e apenas alegrarão a festa ainda mais! — a de cabelos curtinhos, Caina, removera seu avental e o dobrara antes de guardá-lo numa gaveta. Izzy tinha os braços cruzados como uma criança, e fosse pelo que fosse, eu ficava feliz em saber que ela me defendia. — E, bem, ela precisa aprender a lidar com pessoas que não aprecia. Isso é normal.

— Só acho que Ametise deveria ter considerado os sentimentos de Millie.

— Mas a festa não é de Millie, e a Sra. Lieberher gosta dos Wolfhard. Ela convida quem quiser e assunto encerrado, Isabelle — Caina pôs um ponto final na discussão. — Agora vamos, temos trabalho a fazer.

Izzy bufou e também removeu seu avental, ajeitando sua calça de couro e acompanhando a amiga até a saída da casa. As duas atravessaram a porta, conversando baixinho, e eu aproveitei que quase todos estavam fora de casa para pegar um pouco de molho Oito Tesouros chinês e prová-lo junto a um prato pronto cheio de carnes. Nada podia ser mais perfeito, o que certamente a situação em que me encontrava não era. Mentiam, omitiam e fofocavam. Era uma casa cheia de hipócritas.

Eu não sabia por mais quanto tempo suportaria viver ali, pois tanta energia negativa e pesada me sobrecarregava. Mas não importava, eu precisava seguir com meu plano — acabara de finalizá-lo após a conversa de Caina e Izzy. Sabia exatamente o que fazer, apenas não queria caminhar com pressa, mas cada detalhe já estava pensado. De qualquer forma, não houve muito tempo para que eu me orgulhasse de meu sucesso, logo precisei sair de casa com ar de desespero em direção ao colégio. Havia passado a manhã toda ponderando, e quando me dera conta todos já haviam partido e o horário letivo seria em breve.

— Achei que você não viria — Jaeden comentou enquanto organizava sua mochila cinzenta quando estávamos no vestíbulo aberto do colégio. Eu realmente não queria, havia sido tentada diversas vezes a ficar em casa e chorar mais um pouco, mas abandonei tal ideia por mim. — Sabe, eu a vi no corredor... Você não parecia bem. Tem certeza de que vir foi o melhor?

— Foi, foi sim — tornei rapidamente, agora já não sabia mais. — Mas não quero pensar muito nisso, por favor.  Está sendo difícil tomar decisões pensando nos meus ganhos. Hoje, por exemplo, queria dormir e chorar. Só isso, e eu acho que mereço um descanso, minha mente merece. Só que eu estaria passando o dia todo num estado deplorável por alguém que não é digno disso tudo.

— Ah, meu Deus, que orgulho! — Jaeden pôs a mão sobre o peito dramaticamente, sorrindo. Eu sorri de volta, observando as nuvens no céu pálido e percebendo que a vida era repleta de pequenas coisas boas; como ser capaz de ver o céu em toda a sua grandiosidade, como estar prestes a estudar os astros pelos quais tanto era apaixonada, como ter alguém como o Lieberher ao meu lado, e até meus sentimentos doloridos por Finn podiam ser vistos por uma boa perspectiva: podia dizer que já havia amado, eu realmente havia, era verdade. Uma verdade doída e pura. Meu coração batia, eu respirava, minha pele podia tocar a grama e minhas coxas visíveis por conta da saia uniformizada relaxavam sobre a mureta fria de mármore. Tudo era tão bonito naquele dia... — Você vê tudo de forma diferente agora, não é?

— É... as coisas são mais apreciáveis, até mesmo você está me fazendo bem. Acho que me sinto verdadeiramente contente depois de tantos meses.

ventured to say ˓ fillieWhere stories live. Discover now