35. dairy queen

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Eu ainda me lembrava perfeitamente do aroma doce de massa assada que o ar da Dairy Queen carregava, as luzes amareladas tornando o clima denso e consideravelmente aconchegante. Havia uma prateleira repleta de louças colecionadas pelo dono do estabelecimento, o que transformava tal restaurante numa área proibida para crianças, e eu realmente desejei avisar a Charlie que ficasse longe das peças de porcelana, mas já estávamos suficientemente irritados um com o outro.

— Millie, sente-se aqui, venha, junto com o Jae Jae — Ametise falou, sorridente, criando uma trilha de perfume adocicado por onde passava. Todos nos pusemos sobre o banco almofadado ao redor de uma mesa de toalha branca, a maioria dos presentes séria e indisposta, e não demoramos a ser atendidos por um garçom de pernas longas. — O que vão querer, meus pequenos?

— Ah, por favor, me diga que eles ainda têm aquela sopa de carne peruana dos céus! — Jaeden falou com ansiedade, recebendo um aquiescer risonho do homem e tendo seu pedido anotado. Ele batucava os pés sob a mesa, notando o clima pesado entre Charlie e eu e agindo como se mal pudesse esperar para que ele fosse embora. — Hum... pessoal... vocês precisam experimentar o croissant daqui. Sério, é um espetáculo!

— Você é chefe culinário agora pra dar palpite, peste branca? — Charlie tornou com mau humor e eu arregalei os olhos, querendo socá-lo bem no nariz. Jaeden estava tentando ser gentil, aparentemente, e fazer desfeita do esforço dele daquela forma era muito idiota da parte de Charlie. Eu levei uma mão ao ombro do Lieberher ao meu lado logo após olhar meu irmão e franzir o nariz.

— Ignore, Charlie agindo como criança é pior que você — sorri sem muita vontade, olhando o garçom em seguida. — Um croissant recheado e um suco de fruta-dragão, por favor.

— Fruta-dragão? Você diz, sua fruta?

Eu me recusei a encarar Charlie, agi como se não tivesse o escutado. Ametise e papai sustentavam uma conversa enjoativa sobre um amar mais o outro, embora papai não parecesse tão empolgado quanto sua mulher, mas era estranho e recíproco de qualquer forma. Do contrário, ele não teria feito tão pouco esforço para impedir que minha mãe, eu e Ava fôssemos para longe. Tinha de haver alguma coisa que o encantasse sobre ela, mas descobrir o que era parecia uma missão impossível. Não gostava dela. Não, nem um pouquinho. Ametise era como uma mistura compacta de carência, perfumes enjoativos e afobação num corpo cheio de curvas. Devia ser isso, as curvas — existem homens estranhos que admiram montanhas por seus altos e baixos, não por sua imensidão. Papai era um deles, sempre fora, pois mamãe também tinha um corpo curvilíneo. E isso me enjoava um pouco.

— Ah, você é tão fofo! — Ametise soltou uma risadinha, as pulseiras de contas chacoalhando enquanto ajeitava seu cabelo, corada. — Ouça, talvez, quando chegarmos em casa...

— Vocês possam dormir. Dormir como dois anjinhos. Agora parem com essa conversa que estamos começando a ficar constrangidos — Jaeden interviu enquanto brincava com o saleiro dourado da mesa, o rosto contorcido pelo desgosto. Nós passamos algum tempo em silêncio, e eu contorcia o tecido da minha jaqueta larga pensando que não notavam. Então, Jaeden sussurrou mais próximo a mim: — Ei, você tá legal?

Eu franzi as sobrancelhas, sem entender.

— Por que não estaria?

— Você sente muita falta deles, não é? — ele falou como se não quisesse fazê-lo, mas estivesse curioso demais para ficar quieto. Era claro que sentia. Sentia quase tanto quanto a dor de ver papai com outra pessoa. Eu havia deixado uma família pela segunda vez, uma família sem adúlteros e grosseiros, uma boa família. Com um idiota, talvez, um Wolfhard bastante irritante e sonso, mas gostava dele.

— Você está brincando? Eu mataria por um abraço coletivo daquelas pequenas, adoráveis e insolentes criaturinhas — sorri ao tempo que sentia um aperto crescer no peito, ligeiramente desesperada para tê-los comigo outra vez. E era apenas o primeiro dia. Mas fosse o que fosse, eu já havia me questionado tantas vezes sobre como sobrevivi anos da minha vida sem eles que sabia que tudo estava definitivamente perdido. Porque são esses tipos de perguntas que enchem sua cabeça quando você conhece alguém que sabe que vai carregar consigo até a morte. E, caramba, eu realmente odiava me sentir assim, mas também era privilegiada por serem eles os que haviam tomado meus pensamentos. Eram boas pessoas.

ventured to say ˓ fillieOnde histórias criam vida. Descubra agora