07. children in trouble

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— Onde é que você estava? — sibilou mamãe, de punhos cerrados e uma calma totalmente falsa. Eu sabia que ela estava furiosa, embora tentasse se controlar e ouvir o que eu tinha a dizer. Era isso que eu mais gostava nela, o fato de sempre ser paciente e tentar me entender.

Dei meu pior sorriso amarelo, atravessando a porta e a vendo batê-la. Já era tarde, o sol se punha em tons rubis, enquanto a lua ameaçava tomar o céu.

— Nós nos perdemos — falei simplesmente, não me preocupando em dar mais satisfações. Vendo que ela iniciaria uma de suas longas sequências de perguntas, ergui meu dedo, a encarando fixamente. Mamãe sabia que, quando eu tinha algo a esconder, evitava seu olhar de qualquer maneira. Mas, naquele momento, não havia nada que precisasse ser omitido. — Passamos a noite em uma casa de praia. A de Finn. Dormimos, assistimos à um filme... nos divertimos. Nada demais.

Ela ponderou por algum tempo, indo para o fogão novamente e voltando a jogar os ingredientes dentro de uma panela qualquer. Cada vez que um lhe era adicionado, emitia um estalo, borbulhava, apenas contribuindo para que o aroma se espalhasse pela casa inteira. Nick, o mais cansado e preguiçoso de todos nós, esforçou-se muito para nos trazer de volta logo de manhã, mesmo não suportando acordar no horário em que insistimos.

Mamãe andava para lá para cá, em seu avental bege com flores coloridas e aleatórias, parecendo relutante em acreditar no que eu dizia. Até resolver se virar para mim, seus olhos me fuzilando, enquanto um borbulho seguia-se atrás dela. Não poderia ser mais assustador.

— Nada demais? — sussurrou com intensidade, as mãos apoiadas na pia de mármore, mesmo ela estando completamente virada em minha direção. Tudo o que fiz foi sacudir os ombros, sentando-me no banquinho à sua frente e a encarando como se, realmente, passar dois dias fora de casa sem explicação alguma fosse algo comum vindo de uma garota de quinze anos. — Você sabe, Millie, sabe que eu tento ser paciente. Calma. Me controlar. Mas, honestamente, dois dias? Sem uma ligação sequer?

— Me desculpa... — sussurrei, sabendo que também não a satisfaria com aquilo. Precisava demais. O problema era que, mesmo que ela não acreditasse, não havia. Nos perdemos, dormimos em uma casa de praia e, dois dias depois, voltamos para nossas casas. São e salvos. — As coisas não saíram como o planejado, entende? Eu não imaginei que acabaríamos perdidos. Não tivemos culpa.

Ela deu uma risada breve e irônica, voltando para com seus afazeres. O que ela preparava ainda borbulhava, enquanto a furiosa Kelly Brown murmurava baixinho. Eu não fazia questão de saber o que era.

— Não tiveram culpa? — sibilou novamente, lançando um novo ingrediente à panela com ferocidade. — Não tiveram culpa por terem sido irresponsáveis? Não tiveram culpa por sequer se preocuparem com seus pais?

— Mãe... — me levantei, certa de que uma punição viria a seguir, mas tentando uma chance de explicação.

Não tiveram culpa por nem sequer pensarem em ter a decência de nos ligar? — franzi as sobrancelhas, uma expressão de incredulidade tomara conta de meu rosto, meus punhos estavam tão fortemente fechados que jurava que minhas unhas seriam capazes de perfurar a pele.

— Não tínhamos sinal! — me esforcei para não berrar, vendo-a abandonar completamente sua receita e vir até mim, encarando-me como se pensasse em algo. Furiosa. — Acha mesmo que não tentamos? Que somos loucos e irresponsáveis?

— Uma semana — falou lentamente, como se fosse suficiente para eu entender. Do que é que ela estava falando? — Uma semana sem vê-los.

— Isso é sério? — questionei, a vendo se virar e voltar para onde estava antes. Ri como se aquilo pudesse expressar minha inconformação, não a entendendo. — Você diz que eu preciso de amigos, que preciso me socializar. Agora está me proibindo de vê-los?

— Vá — falou, apontando escada acima. — Suba. Essa conversa já acabou. Você não vai vê-los. Sete dias, fui clara?

— Foi — murmurei, de olhos estreitados. Eu odiava quando aquilo acontecia, apesar de ser raro. — Mas há algo que eu não entendo.

— Eu não me importo, Millie, vá — falou, já retomando sua fúria de antes. Eu sabia que ela me arrastaria até meu quarto se fosse preciso, mas, antes que ela resolvesse me punir de alguma outra forma, comecei o trajeto em direção à escada.

— Por que é assim comigo? Apenas comigo? — perguntei, implorando por respostas sinceras. Mamãe e eu nos dávamos bem, mas haviam alguns momentos em que ela decidia implicar comigo por algo idiota. Eu sabia, dessa vez não era algo simples, mas isso chegava a ser exaustivo.

— Millie, suba — murmurou, balançando a cabeça. Naquele momento, péssimo por sinal, Ava atravessara o arco entre a parede da sala e cozinha, querendo dizer algo, as mãozinhas juntas à frente do corpo, e o olhar preocupado, mas mamãe novamente apontou para a escada. — E não saia até eu mandar. Ava, venha aqui me ajudar com o Minestrone, não quero queimar a sopa.

A loura me olhou uma última vez, então obedeceu à mãe. Eu encarei os degraus e subi as escadas, o corredor vazio me fazendo imergir num silêncio melancólico. No quarto, me joguei na cama, ajeitando a barra de meu vestido branco totalmente formal para minha situação, porém, era melhor que o moletom dos Wolfhard. Suspirei, relaxando e deixando que os pensamentos tomassem conta de mim. Uma semana. Não seria difícil. Quer dizer, eles eram legais, mas, como toda amizade, tinham seus prós e contras. Gaten e Caleb pareciam viver em seus mundinhos separados dos nossos; Noah supostamente me odiava; Finn sempre tinha algo melhor a fazer; e Sadie, ela falava apenas sobre o McLaughlin.

Tendo eles ao meu lado ou não, seria o mesmo que me isolar. Cada um deles parecia ter uma vida melhor a viver, ao invés de se preocuparem com a minha. Não que eles devessem, mas às vezes era eu quem precisava de alguém para compartilhar meus pensamentos, problemas, sonhos, preocupações... e tudo o que eu fazia era ouvi-los. Embora eu tenha descoberto que era muito pior sem eles. Como o silêncio poderia ser ensurdecedor.

ventured to say ˓ fillieحيث تعيش القصص. اكتشف الآن