Capítulo XXVIII

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Syran chegou ao portão logo depois do nascer do Sol. Sua cabeça latejava da noite anterior. As velhas dores haviam retornado. O sangue pulsava nos pontos dos ferimentos.

— Abram a porta! — gritou para os soldados parados acima. Teve o cuidado de não olhar diretamente para eles, temendo ser reconhecido.

— Abram a porta! — gritou novamente, mas ela não se moveu. Olhou para cima. Os homens estavam olhando além dele, para o caminho de terra batida que levava até o castelo. Um jovem estava vindo atrás dele. Caminhava lentamente, lutando com o saco de juta na mão.

— Caçador — o jovem o chamou. Syran baixou a cabeça. Havia sido muito cuidadoso na procissão. Manteve os olhos voltados para baixo, os cabelos cobrindo seu rosto, tentava passar despercebido. Como sabiam quem era ele?

O jovem correu em sua direção. Usava uma camisa de linho branco e calças limpas, o cabelo ruivo untado para o lado. Syran o reconheceu como um dos funcionários do duque. Percy... Era esse seu nome?

— Sim, eu o reconheci. — Percy assentiu, como se estivesse se desculpando. Syran suspirou. Ergueu as mãos diante dele.

— Olha, se você quiser...

— Não queremos briga com você — disse o jovem. — Não mais. Você trouxe o príncipe para nós. Por isso... — ergueu um saco e o entregou para Syran. O caçador o aceitou, percebendo de repente o que era. As moedas de ouro eram mais pesadas do que ele imaginava que seriam. Já tinha gastado o dinheiro, em sua mente, com uma casa no campo, para além do reino, e com um cavalo que o levaria até lá. Quando estava viajando pela Floresta das Sombras, horas depois de ter conhecido o garoto, comprou três novos machados, um casaco de inverno forrado e botas de couro. Havia, na verdade, contado quantas garrafas poderia comprar com apenas uma daquelas moedas (duzentas e trinta e três).

Mas agora que elas estavam exatamente ali, em seus braços, não as queria mais. Fracassara da pior maneira possível. Quem poderia se preocupar com moedas quando Alvo estava morto? Passou-as de volta para o jovem.

— Fique com seu dinheiro — disse e continuou a caminhar.

Não conseguiu andar mais do que alguns metros. Dentro das muralhas do castelo, ouviu uma salva de aplausos, gritos e vaias. Olhou para o jovem, buscando uma explicação, mas Percy apenas deu de ombros. Syran não conseguia ver além da fachada do castelo de pedra, mas retornou para lá, sentindo que alguma coisa havia mudado. Acelerou o ritmo conforme as comemorações se levantavam em torno dele, ainda mais sonoras do que antes.

Alvo estava postado no topo da escada, observando o pátio do castelo. Homens do duque haviam montado barracas de lona ao ar livre para todos os refugiados do reino. Famílias se amontoavam ao lado de fogueiras para se aquecerem, outros ficavam na fila da sopa , que dava voltas e voltas, esperando pelo café da manhã. Muir e Brida estavam sentados um ao lado do outro. Falavam em voz baixa do lado de fora de uma tenda maltratada, com cobertores jogados sobre os ombros. Várias horas se passaram. Ele acordou de repente, a voz do caçador ecoando na câmara de pedra. Percebeu as tochas ao lado do caixão fúnebre. As paredes estavam cobertas com uma fina camada de poeira. Pouco a pouco, sentiu o cheiro de mofo no ar. Ouviu a condensação gotejando do teto. Aquele som marcava a passagem dos minutos. Dentro de uma hora, a sensibilidade das pernas havia voltado.

Enquanto voltava lentamente a si mesmo, sua mente desperta dentro do corpo imóvel só pensava em Ismalia. Ela havia pressionado os lábios contra o ouvido de Alvo.

— Você era o único que poderia quebrar o feitiço e acabar com minha vida — disse. — Você era o único. — Conforme Alvo voltava a respirar, o calor retornando às suas mãos, aquelas palavras ficaram muito claras.

A Caça ao Cervo Real [Romance Gay] - Livro IOnde as histórias ganham vida. Descobre agora