Capítulo III

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Na mesma noite em que matara o rei, e tomou o Castelo e o reino para si, logo após trancafiar o príncipe herdeiro nas masmorras, Ismalia voltou ao seu quarto. Ainda podia ouvir os gritos da nobreza escada abaixo. Um grupo dos seus soldados de sombras haviam trazido com enorme cuidado um grande espelho. Parecia um escudo redondo de prata extremamente polida. Quando ficou sozinha, o ar fora de sua sala saturado com gritos e berros, olhou para o espelho. Fechou os olhos e inspirou profundamente, sentindo a magia que emanava dele.

— Espelho, espelho meu, quem é a mais poderosa de todas? — perguntou.

A superfície do espelho ondulou, derramando-se no chão como um líquido prateado próximo aos pés de Ismalia. O espelho havia se transformado numa estátua de prata, um pouco mais alta que ela. A figura estava envolta em um tecido reluzente e espelhado como o metal. Seu reflexo sombrio revelava todo o quarto ao seu redor. O "rosto" do espelho refletia exatamente o rosto de Ismalia.

— É você, minha rainha — disse. — Outro reino cai para vossa glória. Não há fim para sua vitalidade e seu poder.

Ao ouvir as palavras do espelho, Ismalia soube que a magia que sua mãe lhe concedera era ilimitada. Na presença dela, reinos caíam, homens pereciam, e até mesmo objetos simples ganhavam uma vida mágica, revelando segredos que ninguém mais poderia saber. Ergueu as mãos, sentindo a luz em seus dedos e se lembrando de tudo o que sua família havia perdido para o rei. Ele estava morto agora. O Reino, finalmente era dela e ninguém poderia machucá-la: nem agora, nem nunca. 

Quando Baltazar voltou para os aposentos reais, Ismalia estava curvada, com uma mão apoiada na parede para se manter de pé. Ela não ousava se olhar no espelho. Não queria ver o que seu rosto se tornara. Havia linhas profundas nos cantos da boca e dos olhos, podia senti-las. A pele do pescoço pendia flácida, cedendo sobre sua gargantilha de diamantes.

— Tenho algo para o que a aflige — disse Baltazar. Ismalia olhou para a garota diante dela. — O que é mais belo do que uma rosa? — Baltazar perguntou.

Rose lutou para se libertar de Baltazar. Sua pele era de uma bonita cor se creme. Ismalia sorriu. A garota era tão jovem, não devia ter pouco mais que 17 anos. Era tão... Perfeita!

— O que você vai fazer comigo? — a garota perguntou. Ela se contorceu, tentando novamente se libertar.

Ismalia caminhou em sua direção, seus passos ecoando na imensa sala de pedra. Precisava daquilo mais do que tudo. Não apenas para restaurar sua juventude, mas também o seu poder, e assim a sua capacidade de governar o reino. "As pessoas precisam de sua rainha" pensou enquanto levava a mão ao pescoço da garota.

Fechou os dedos em torno da garganta da jovem. Rose abriu a boca para gritar, mas não saiu nenhum som. Ismalia podia sentir a essência da juventude da garota se derramando, um poço de energia para ser desfrutado. A rainha se inclinou para trás, deixando a energia fluir da boca de Rose para a dela, enchendo-a de energia dos dedos dos pés ao alto da cabeça. Sentiu sua pele se esticar. A mão que segurava a garganta de Rose parecia mais jovem agora, as manchas de idade haviam sumido. Seus ombros não estavam mais curvados. Ismalia ficou ereta, sentindo o poder pulsar.

Quando tudo acabou, ela soltou sua presa. Rose caiu de joelhos. Suas mãos agora estavam retorcidas. Seu rosto enrugado. O cabelo crespo e cinza. Debruçou-se no chão, as costas curvadas. Parecia ter quase 80 anos. Todos os traços da bela jovem que ela fora haviam ido embora.

Ismalia não sentiu pena da garota. Sentiu apenas o poder, a doce embriaguez que vinha toda vez que ela tomava a juventude de alguém. Não havia nada que pudesse detê-la.

Entrou na sala do espelho queria apenas ver ser reflexo. A magia do espelho levantou-se diante dela mais uma vez. Somente ele poderia confirmar o que ela já sabia ser verdade. Desejava ouvir sua voz novamente, a fim de ser confortada por seu poder.

— Espelho, espelho meu... — começou —, quem é a mais poderosa de toda? — olhou para a superfície brilhante. Seu pulso acelerou quando o espelho se derreteu aos seus pés. Transformou-se em estátua de prata. Seu próprio rosto a olhava de volta no semblante liso e sem detalhes de seu reflexo.

— Minha rainha — o espelho disse. —, você desafiou a natureza, e lhe roubou seu mais belo fruto. Mas hoje, há alguém que pode se tornar mais poderoso que você. Ele é a razão do seu poder declinar.

Quem poderia ter mais poder do que ela? Ismalia havia se mantido jovem durante todos aqueles anos para quê? O espelho estava errado, tinha de estar. Agitou-se, com raiva. Mas tinha de admitir que a juventude, fonte da qual provinha seu poder até agora, já não era mais suficiente. Não importava o quanto bela e jovial estivesse, a magia que usava a consumia cada vez mais rápido e agressivamente.

A grandeza que sentiu depois de conquistar Rose havia desaparecido completamente.

— Quem é?! Me dê o nome dele! — sibilou entre dentes. Seu reflexo a fitou.

— O Príncipe Alvo — disse o espelho. — Há uma força mágica muito poderosa em seu sangue, lutando para ser despertada. E quando isso acontecer, nada poderá detê-lo, nem mesmo vossa majestade.

— Alvo? — Ismalia repetiu e engoliu em seco. — Eu deveria tê-lo matado quando era uma criança. Ele é a causa da minha ruína?

O espelho levou os dedos ao queixo e o acariciou como se estivesse pensando.

— Entretanto, ele também é o seu tesouro, minha rainha. Foi sábio tê-lo mantido por perto, pois o sangue que pode destruí-la, também pode cura-la. Tome o coração dele em suas mãos, e devore-o, e você nunca mais precisará consumir juventude. Você nunca mais enfraquecerá ou envelhecerá. Imortalidade sem preço...

Ismalia olhou para suas mãos, tentando imaginar como seria nunca mais vê-las novamente como as havia visto há apenas alguns minutos: enrugadas e cobertas de manchas de idade. Como seria nunca mais ter respirações curtas, nunca mais sentir o peso da idade sobre ela?

Como seria viver eternamente?

Soltou uma risada baixa, o som de sua risada a estimulou e ela caiu na gargalhada, chorando de tanto rir. Alvo, é claro! Apenas o garoto poderia lhe dar aquele presente. Havia uma razão em tê-lo salvado, ela sempre soube. Havia uma razão em estarem conectados. E, agora, essa razão lhe havia sido revelada...

— Baltazar! — gritou ela, o riso a consumindo. — Traga Alvo aqui!

Ela continuou rindo, a leveza da ideia a confortava. Fechou os olhos e as lágrimas escorreram pelo seu rosto. Poderia viver eternamente. Só tinha de matar o príncipe e tomar seu coração. Tudo era tão simples, tão óbvio. Como não havia percebido antes?

Quando finalmente abriu os olhos, estava sozinha na sala. O espelho era como qualquer outro espelho, seu reflexo revelava a sala vazia. Sua realidade mágica se fora, mas suas palavras ainda ecoavam em seus ouvidos: "Imortalidade sem preço".

A Caça ao Cervo Real [Romance Gay] - Livro IWhere stories live. Discover now