Capítulo XIX

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— Anões — murmurou, reconhecendo finalmente quem eles eram. Tentou chegar até Alvo, mas uma daquelas coisinhas desagradáveis tinha amarrado uma corda em volta de seus tornozelos. Em segundos, ele estava sendo arrastado pela margem. Eles o levantaram amarrado pelas pernas. O mundo girou em torno de si quando foi pendurado, todo o sangue indo para o rosto.

Quando finalmente parou de girar, notou Alvo no chão ao lado dele. Os braços dele estavam amarrados atrás das costas. Os anões estavam enfileirados na frente dele. Levantaram suas máscaras de batalha grotescas sobre a testa.

— Bom, bom, bom... O caçador canalha — disse Beith. Ele era o líder e o mais difícil de se livrar. Seu cabelo preto e grosso descia na frente, formando um "V" gigante na cabeça.

— Vamos lá, Beith — Syran riu, estreitando os olhos no tampinha. — É assim que você trata um amigo? — Qualquer um que tivesse viajado pelo reino conhecia os anões. Eles se escondiam na mata, muitas vezes bêbados, prontos para brigar com quem estivesse disposto. Syran sempre estava disposto.

Beith chegou tão perto dele que Syran podia sentir o cheiro das tripas de sapo em sua respiração.

— Não, sua besta de chifre — pegou um galho grosso do chão. — É assim que trato um amigo — e bateu-lhe com força na cabeça.

— Pare com isso — Alvo gritou, mas os anões riram.

Syran segurou a cabeça entre as mãos, esfregando o local em que Beith havia batido. Aqueles pequenos roedores tinham pouco mais de um metro de altura: homens atarracados e malcheirosos, com cabelos emaranhados e dentes podres. Beith tinha uma barba preta amarrada e roupas grandes demais. Segurava as calças com um pedaço velho de corda. Syran avistou Muir, o anão cego, atrás. Brida e Nion estavam ao lado dele. Nion era o mais maldoso de todos. Se fosse por ele, o mundo inteiro seria governado por anões e os altos seriam seus escravos.

Alvo tentava tirar a corda que amarrava seus punhos.

— O que você fez para eles? — sussurrou, enquanto os homens consultavam um ao outro sobre Syran.

Syran esfregou o rosto. Estava ficando tonto. Tudo ficava estranho de cabeça para baixo.

— Tentei conseguir uma recompensa por suas cabeças... Algumas vezes.

O garoto revirou os olhos.

— Não há ninguém com quem você não tenha agido errado?

Syran olhou para ele, amando o modo como seu nariz se encolhia quando estava com raiva. Tecnicamente havia uma pessoa: ele. Poderia ter-lhe dito aquilo se Beith não tivesse virado e socado, com força, seu estômago.

— Hoje é o meu dia de sorte! — Beith gritou. — O tagarela que eu mais detesto no mundo, nas minhas mãos...

— É seu dia de sorte, Beith — Syran disse, tentando soar leve. Os homens de Baltazar estariam ali em breve. Não tinha tempo para discutir sobre quem havia tentado vender quem à rainha. Aqueles eram apenas pequenos detalhes. — Eu tenho ouro suficiente para abastecê-lo de cerveja por um ano. Coloquem-me no chão e eu vou... — Nion bateu em sua orelha.

— Cala essa boca fedida, caçador! Se você tivesse alguns tostões, eles já teriam caído de seu bolso.

Syran segurou a cabeça, que agora latejava. Então, gritou:

— Apenas me digam o que eu fiz de errado!

— Primeiro, me diga o que você fez de certo — Beith respondeu. Gotas voavam de sua boca enquanto falava. Atrás dele, o anão mais jovem, Gully, estava olhando para Alvo como se ele fosse de outro planeta.

Syran apontou para o garoto.

— Eu o salvei da Rainha. — Beith balançou a cabeça.

— Não parece algo que você tenha feito, caçador.

— As pessoas mudam — Syran respondeu. Nion bateu em sua orelha de novo.

— "Pessoas" mudam, porcos lascivos não — Brida vociferou.

Os anões começaram a discutir. Beith e Nion, que sempre brigavam um com o outro, pareciam finalmente se entender, pelo menos desta vez. Só precisavam decidir uma única coisa; matar Syran ou deixá-lo amarrado, esperando a morte.

— Vamos espetá-lo e deixá-lo apodrecendo! — Brida sugeriu. Syran odiava o tom de alegria que começara a aparecer na voz dela.

— Não! — uma voz gritou atrás deles. Muir, o anão idoso, tomou a frente da situação. Seus olhos, já sem cor, estavam cobertos com uma fina película branca. — Ele está destinado — continuou. Levantou um dedo para silênciá-los.

Syran se lembrou do homem cego de uma outra visita que fizera à floresta. Os outros ouviam o que ele falava. Beith voltou-se para o garoto, o estudando com uma curiosidade nova.

— Vocês odeiam a rainha? — Alvo perguntou, aproveitando a oportunidade. — Pois saibam que, meu pai era o Rei Eric.

Houve silêncio por um curto período de tempo que parecia não terminar.

— É verdade, pai? — Beith perguntou, olhando diretamente para Muir.

Ele se aproximou de Alvo, como se enxergasse algo através dos brancos olhos. Algo que somente ele podia ver. — Sim, é verdade... Ele tem o sangue.

O grupo se sentou.

— Se vocês nos acompanharem ao castelo do duque, serão pagos regiamente — Alvo continuou, aproveitando a oportunidade de livrar-se do perigo com mais uma barganha. — O peso de vocês em ouro. Para cada um de vocês.

Syran observava o garoto, ele se divertia. Era a mesma ousadia que ele havia demonstrado na Floresta das Sombras. Estava começando a se perguntar se havia alguém a quem ele não desafiaria. Beith inclinou a cabeça para um lado.

Nion olhou para Gully de cima a baixo, atentando para seus braços e pernas finos.

— Eu recebo mais do que você — sussurrou, batendo na barriga volumosa.

— Verdade — respondeu Gully e sufocou uma tosse pesada. — Mas por causa de seu tamanho, você come mais e bebe mais, o que custa mais, por isso...

— Tudo bem — Beith interrompeu. — Nós o levaremos, mas o caçador pode ficar pendurado. — Limpou a garganta e, em seguida, cuspiu um bola gigante de catarro no chão ao lado da cabeça de Syran.

— Nós dois — disse o garoto. Olhou de soslaio para Syran e balançou a cabeça, para o tranquilizar.

Beith coçou a barba preta como se estivesse considerando se a proposta era boa ou ruim. Enquanto esperavam por sua resposta, Brida, apontou para um ponto no horizonte. Syran seguiu seu olhar, percebendo as figuras vindo pelo monte. Era Baltazar e os mercenários!

— São os homens da rainha, Beith — disse Syran. Contorceu-se e chutou, tentando libertar seus pés. — Melhor decidir mais rápido.

— Um anão vale uma dúzia de altos — Beith rosnou. — Eu que determino meu tempo, obrigado. — Então Beith olhou para o monte. Mais dez homens apareceram a cavalo, suas espadas desembainhadas. Os anões recuaram.

— O que você estava dizendo? — Syran perguntou, estreitando os olhos para o homenzinho. Mal conseguia enxergar.

Todo o sangue havia corrido para sua cabeça, fazendo as têmporas pulsarem.

— Ponha-o no chão — disse Beith, sinalizando para Nion. — Vai logo!

Gully ajudou Alvo a se livrar das amarras. Nion libertou Syran com um golpe de faca. Então, eles começaram a descer o morro, Syran e Alvo seguiam agachados atrás dos anões, para evitar serem vistos.

A Caça ao Cervo Real [Romance Gay] - Livro IWhere stories live. Discover now