Capítulo XIV

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Syran pegou uma bolinha do chão e a rolou entre os dedos, pensativo.

— O que é isso? — Alvo perguntou, torcendo para que não fosse o que ele pensava que fosse.

— Estrume — pronunciou "istrum" — É de cervo — replicou. Olhou para ele de relance, como se dissesse, "por favor, não me peça para explicar". Alvo o observou amassar aquilo em entre os dedos. Então, ele o levou até o nariz, sentindo o odor. Ele virou para o lado, enojado.

Ele se levantou e foi, rapidamente, em direção a um caminho entre as árvores. O ar era diferente ali, o nevoeiro era tão espesso que não se podiam ver dois metros adiante.

— Fique aqui — ele disse, deixando Alvo fazer algum tipo de roupa para si mesmo.

Seu estômago reclamara a manhã toda. Apertou o estrume de cervo entre os dedos. Cervos não costumavam entrar na Floresta das Sombras, a não ser afugentados por algum predador. Supôs que haviam tido sorte. O quanto o garoto estava com fome, ele não havia dito, mas não parecia ter sido bem alimentado na masmorra.

Manteve os olhos no chão e rastreou o animal, como havia feito centenas de vezes antes. Moveu-se rápido e silenciosamente, puxando um machado de sua cintura, pronto para atirá-lo caso o cervo aparecesse. Viu um esterco, então outro, conforme caminhava mais para dentro do denso nevoeiro branco.

Além do nevoeiro, o ar estava claro. Havia um afloramento de rochas diante dele. Uma delas se abria para uma grande caverna. O vento mudou e ele ouviu uma voz familiar.

— Syran — ela chamou de dentro da caverna.

Aquela voz. Ouvi-la em bom tom, depois de tanto tempo, deixou Syran arrepiado. Largou seu machado no chão. Sophie saiu da caverna. Estava usando um vestido de cor púrpura mais vibrante do que jamais havia sido. Seus cabelos castanhos emolduravam seu rosto, caindo em grandes cachos pelas costas.

— É você? — ele perguntou, a olhando da cabeça aos pés. Estava inteira novamente, a ferida havia desaparecido. Não havia corte em seu pescoço.

Syran secou os olhos. Aquilo era mais real do que qualquer sonho.

— Eu estou... ?

— Toque-me e comprove — disse Sophie estendendo seus braços para ele.

Syran espiou em volta, olhando para além das árvores. Não pensou, lembrando a si mesmo de quem ela era. Aquilo tudo era uma ilusão, uma imagem conjurada pela Floresta das Sombras com algum propósito desconhecido. Mas, conforme ele se voltou para Sophie, vendo seu rosto doce novamente, não conseguiu resistir. Deu um passo em direção a ela e ficou mais próximo da caverna escura. Ela estendeu os braços para ele.

— Por onde você esteve, Syr? Preciso que me proteja...

Alguma coisa rompeu dentro dele. Lágrimas encheram seus olhos. De todas as perdas que tivera, aquela era a que me mais lhe perturbava, assombrando seus pesadelos para o resto de sua vida. Lembrava-se do dia tão claramente. Os olhos dela estavam abertos, cobertos por uma fina película cinza. Seus lábios estavam separados. Suas mãos, frias ao toque. Tudo o que ela foi, toda a alegria que tinha dentro de si, havia desaparecido. Assim como o último resquício da sua família.

— Eu sinto tanto — Syran sussurrou. Sua voz tremia enquanto caminhava em sua direção. — Por favor, me perdoe.

Ela estava muito perto dele agora. Queria que ela desse aquela risada doce e animada.

A mão dela estava quase tocando a dele. Seus dedos se esticando no ar, quando de repente algo o golpeou na cabeça. Syran caiu de joelhos e estremeceu de dor.

— Ela não é real! Você está me ouvindo? — alguém estava gritando tão alto que os seus ouvidos doíam.

Olhou para cima para ver o garoto, Alvo, segurando um pedaço de madeira. Estava gritando com o rosto em pânico. Apontou para a caverna. Syran olhou para lá, mas o lugar estava vazio. Ali, na escuridão, viu monstruosos lobos pretos, amontoados, seus longos focinhos pouco visíveis na reduzida luz da manhã. Aqueles olhos lupinos amarelos os encaravam. Chutou a terra, se atirando para trás e tentando fugir.


— Ela não é real... — Alvo repetia. — Ela não...


— Eu ouvi você! — Syran gritou, agarrando o braço do príncipe e o arrastando para trás cuidadosamente até estarem afastados da entrada da caverna. Antes de retomar o caminho, fitou o lugar em que Sophie estivera, momentos antes. Pegou a garrafa ao seu lado e bebeu, deixando o último dos goles aquecer sua garganta. Mas nem isso o ajudava mais. As lágrimas vieram rapidamente e ele virou para o outro lado, não queria que o garoto o visse daquele jeito.

A Caça ao Cervo Real [Romance Gay] - Livro IWhere stories live. Discover now