Capítulo XV

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Eles correram por um campo de capim alto e flexível, que alcançava o queixo de Alvo. Ele abria caminho com as mãos e só podia ver a nuca de Syran quando ele chegou ao outro lado do campo. O caçador estava esfregando o local onde o príncipe o havia ferido. O sangue tinha secado e o seu cabelo havia grudado nele.

Ele o ouviu conversando com alguém para além das árvores. Quando o encontrou, seu rosto estava coberto de lágrimas e suas mãos tremiam, buscando alcançar algo que ele não podia ver.

"Sophie", era o nome pelo qual chamava à medida em que caminhava para dentro da caverna. Como não vira aqueles lobos monstruosos? Eles tinham três vezes o tamanho de um lobo normal e seus horríveis olhos amarelos brilhavam naquela escuridão. Mostrando os dentes afiados. Como não ouvira aquele rosnado conforme se aproximava deles?

Alvo saiu de trás da grama alta, chutando os talos que grudavam em suas pernas recém-cobertas. Estava grato por ter algo que as protegesse agora.

O caçador não havia se virado para ele desde que tinham deixado a caverna. Não havia falado com ele ou comentado sobre a aparição de quem quer que fosse. Simplesmente continuou andando, cortando galhos e arbustos desgarrados com seu machado.

— Foi por ela que você barganhou... Por Sophie. A pessoa que falou com você — Alvo começou. Sabia que ele não queria falar, mas não podia fingir que nada tinha acontecido. Ele a tinha visto lá? Que tipo de ilusão havia sido aquela? Estava claro, agora, para ele, que ela não estava sendo mantida cativa. — Ela morreu? — perguntou ele.

O caçador ficou rodando feito um louco, no mesmo lugar, e apontou a ponta do machado para ele.

— Nunca mais diga o nome dela — retrucou. Alvo deu um passo para trás, seu coração batendo forte. — Vocês nobres, não se preocupam com ninguém além de vocês mesmos — a lâmina afiada estava quase tocando seu pescoço.

O caçador fitou aqueles grandes olhos azuis. Tão azuis quanto os fiordes no verão. Olhos que se mostravam amedrontados, porém firmes. Algo dentro dele inexplicavelmente se abrandou, e o caçador abaixou seu machado.

— Só não me pergunte nada — disse com o rosto triste. Imediatamente arrependido de sua explosão repentina, sabia que apesar de tudo, não poderia destinar sua raiva em todo membro da nobreza que encontrasse. Principalmente, naqueles que ficaram dez anos presos numa masmorra.

Puxou a adaga da bainha e passou para ele, como se quisesse mudar de assunto. Alvo balançou a cabeça sinalizando sua dúvida, mas ele a apertou em sua mão.

— Aqui, sinta o peso. Passe de uma mão para a outra.

Ele notou que a adaga era mais pesada do que pensava e que sua ponta era ligeiramente curvada para dentro. Os olhos do caçador estavam fixos nele, vendo como ele a girava em suas mãos e depois a apontou para o chão.

— Agora, segure-a com a ponta voltada para mim.

Seu rosto estava mais sério do que antes. Seu cabelo cor de palha estava escondido atrás das orelhas; a barba, coberta de terra. Segurou a adaga apontada acima da cintura dele.

— Por que você...?

Antes que ele terminasse a pergunta, Syran se lançou contra ele. Alvo recuou, levando a adaga até a garganta dele. Ele parou bem pertinho dele, antes que a lâmina tocasse sua pele. Então, sorriu pela primeira vez naquele dia.

— Ótimo! Agora, me diga: qual é seu pé de apoio? — perguntou. Descansou o pé em uma árvore próximo e o observou.

— O que você quer dizer? — perguntou. Atrás dele, a floresta estava estranhamente tranquila. Dois corvos os assistiam em um galho baixo. Syran se lançou sobre ele novamente. Instintivamente, ele colocou o pé direito à frente, não o deixando ganhar qualquer terreno dessa vez.

Seguiu em direção a ele. Ele se inclinou, a adaga em sua mão direita ainda apontada para o seu pescoço.

— Fique longe — disse ele, lhe acenando para se distanciar. — Você ainda é muito fraco para o ataque, tem de se defender. Use a força do seu oponente contra ele. Levante seu outro antebraço.

Alvo elevou o braço esquerdo, seu punho paralelo ao chão. O caçador ainda estava sorrindo, como se aprovasse o que estava vendo. Um tímido sorriso acabou escapando do príncipe também. Pela primeira vez, desde que se conheceram, não o desprezava. Parecia mais amável agora, até caloroso, conforme o observava. Adiantou-se novamente e, dessa vez, Alvo sentiu a distância diminuindo entre eles.

— Assim, você vai bloquear e desviar a investida do adversário. Você vai se ferir, mas não vai morrer — falou calmamente, dando mais um passo. — Espere até que eu esteja perto — insistiu ele.

Alvo não desviava o olhar dele. Ainda que o suposto inimigo estivesse indo em sua direção, ele estava se divertindo. Aquela covinha apareceu novamente. A palma da mão suada segurava a adaga e ele tentava manter a concentração.

— Ainda não — Syran sussurrou. — Observe minhas mãos, não meus olhos.

Ele abaixou o olhar para o machado. Seus movimentos eram estáveis, conforme ele dava mais um passo em direção a ele. Resistiu ao impulso de assustá-lo de volta com a adaga. — Ainda não — ele repetiu. — Só se mexa quando sentir minha respiração.

Ele deu mais um passo, depois outro, até que chegou bem pertinho dele. Então sorriu, seus olhos cinzentos o desafiando a agir. Ele não hesitou. Levantou a adaga, a apontou para cima e parou pouco antes de bater no esterno dele.

— Sim! — Syran sorriu. — É nessa hora que você irá cravá-la nele. Até o punho. Mantenha seus olhos fixos nos dele e não a puxe de volta até ver a alma do seu inimigo. — Envolveu a mão dele na sua. Segurou a adaga com ele, sorrindo como se ele tivesse feito uma coisa maravilhosa.

A respiração dele ficou mais curta. Puxou a mão, pois não sabia o que estava sentindo quando viu o rosto do caçador tão próximo ao seu.

— Por que está me mostrando isso? — perguntou. — Por que agora?

O caçador olhou por cima dos ombros dele. Seguiu seu olhar através do campo, para onde estavam as cavernas.

— É importante que você aprenda... — ele cortou a conversa e não disse o que estava sugerindo: que ele era tão vulnerável a Floresta das Sombras quanto ele. — Fique com isso — disse, acenando com a adaga.

Alvo a baixou e se sentiu mal só por se imaginar sozinho na floresta. Ele odiava admitir, mas aquele caçador era a única pessoa que lhe trouxera algum conforto até agora. Ele deu um passo por entre as árvores e começou a descer um caminho estreito à esquerda.

— Aonde você está indo? — perguntou. Eles deveriam seguir em direção ao norte por mais um quilômetro e meio, fora o que ele mesmo lhe havia dito.

Syran sorriu para ele, seus olhos cinzentos se iluminando. Era cerca de cinco ou sete anos mais velho do que ele. Seu cabelo estava cheio de nós e fedia a bebida. Mas ali, ao lado da árvore, Alvo viu um lampejo do que ele poderia ter sido antes. Estava mais calmo, quase feliz.

— Estrume — pronunciou "istrum", novamente à sua maneira e deu de ombros.

— Certo. — Alvo riu. Esperava que ele não percebesse o rubor em seu rosto. — O estrume chama.

Ele começou a descer. Alvo ficou ali, observando-o ir, até as costas dele desaparecerem por trás da mata densa.

A Caça ao Cervo Real [Romance Gay] - Livro IWhere stories live. Discover now