Capítulo VIII

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Ela caminhou em direção a ele até que ficaram bem perto. A coroa de prata estava cravada na cabeça dela e correntes caíam repousando nas laterais dos ombros.

Sentiu o cheiro da camisa suada dele e torceu o nariz.

- Me disseram que você é um bêbado, acusado por diversos furtos e desordem. Mas, que também, é um dos poucos que se aventuraram na Floresta das Sombras. - Fez um gesto para o homem de jaqueta de couro em pé atrás dela. Syran percebeu que aquele era o mesmo homem que o havia encontrado na taverna e o trazido até ali. - Um de meus prisioneiros escapou para lá - continuou ela.

Syran balançou a cabeça.

- Então, seu soldado está morto... - a rainha o corrigiu, levantando um dedo repleto de jóias.

- Camponês?... - o dedo continuou erguido.

Syran decifrou tratar-se de um membro da nobreza.

- Então, certamente está morto - corrigiu-se.

A rainha se inclinou para tão perto que as correntes de sua coroa escovavam a túnica de couro dele. Seu perfume era o de rosas mortas.

- Encontre o fugitivo, e o traga para mim.

Syran balançou a cabeça. Ele havia sido caçador anos atrás, antes de perder Sophie. Havia rastreado diversas presas por aqueles bosques e quase perdera a vida. Mesmo com as melhores armas, e os mais atualizados mapas, a maioria das pessoas nunca penetravam mais de quatrocentos metros por entre as árvores.

- Eu fui à Floresta das Sombras vezes o suficiente para saber que não vou voltar - disse. Ele deu as costas para a rainha, mas ela o segurou pelo braço, apertando-o com força.

- Você será regiamente recompensado - ronronou. Syran riu. Como se aquilo lhe importasse.

- Moedas não servirão para mim se eu repousar morto com corvos a arrancar meus olhos.

Mas a rainha não o soltou. Em vez disso, apertou ainda mais, cravando as unhas em sua pele. Ela sorriu, depois se inclinou, seus lábios a alguns centímetros dos lábios dele.

- Você fará isso por mim, caçador.

Syran olhou para mão em seu braço. Então não era um pedido, era uma ordem.

- E se eu recusar a ordem? - perguntou ele.

A rainha fez um sinal para os homens perto da porta. Eles baixaram suas lanças, e miraram as pontas desgastadas para ele. Syran olhou para as lâminas brilhando e não sentiu nada. Nenhum medo. Nenhuma tristeza. Ela estava ameaçando sua vida, mas o havia abordado da maneira errada. Ela não poderia lhe tirar algo que ele não queria mais.

- Faça-me esse favor - ele zombou, mantendo os braços diante de si e fechando os olhos. O rosto de Sophie voltou para ele. Seu corpo branco e franzino repousando dentro de uma cova rasa. A imagem que o assombraria para o resto de sua vida miserável.

Syran ainda era um garoto quando viu sua mãe morrer dando a luz a sua irmã. Os tempos se tornaram difíceis, mas a família seguiu unida. Até o dia em que seu pai desapareceu na Floresta das Sombras sem deixar rastro. Nunca acreditou na possibilidade de tê-los abandonado. Ele os amava muito. Tentou incansávelmente procurá-lo, seguindo todas as pistas possíveis, mas foi inútil. Syran havia se tornado o homem da casa, fugindo dos males daquele novo reinado. Ela era sua única responsabilidade, e ele não conseguiu protegê-la.

- Eu imploro - acrescentou.

Quando ele abriu os olhos a rainha ainda estava olhando para ele.

- Então você deseja se reunir com sua família? - perguntou ela. Ele cambaleou um passo para trás, a olhando com estranheza. Qual era a extensão do poder da Rainha? Ela havia lido seus pensamentos?

Seu peito se encheu de raiva. Ouvir aquelas palavras, ditas pela boca daquela bruxa, era demais. O que ela sabia sobre sua família? Ele agarrou a garganta da rainha. As pulseiras dela se agitaram.

- Minha família não é da sua conta - ele rosnou.

Os soldados correram na direção dos dois, mas a rainha ergueu a mão, mandando-lhes dar um passo para trás. Seus olhos estavam lacrimejantes, o rosto vermelho do ar preso dentro de seus pulmões. Manteve-se olhando para ele, porém com um estranho sorriso no rosto, como se estivesse gostando de brincar com ele. Ele a soltou, querendo estar tão longe dela quanto fosse possível. Deu um passo para o lado, mas ela entrou na frente dele, não o deixando sair.

- Você sente falta deles? - Ela provocou, esfregando a garganta onde ele a havia agarrado. - O que você daria para trazê-los de volta?

Syran não respondeu. Ele podia sentir um nó crescendo em sua garganta. Aquelas noites em que eles o visitavam eram as mais difíceis. Ele podia ver seus rostos em sonhos. Doces lembranças de infância se misturavam a horrores vividos desde que se perdera no mundo, completamente solitário. Eles eram tão vividos, então, mais ainda do que foram em vida. Ele acordava ofegante, com o rosto inchado e molhado, desejando que eles voltassem para ele. Enxugou os olhos, tentando evitar o olhar da rainha.

- Certamente você já ouviu falar de meus poderes - a rainha continuou. - Traga-me o garoto e terá sua família de volta.

- Nada vai trazê-los de volta. Syran disse em voz alta. Havia enterrado a pequena Sophie em uma cova nos limites do vilarejo, perto das montanhas, deitando seu corpo na terra fria. Ele mesmo havia feito a lápide.

A rainha levou a mão ao queixo e esperou, até que ele encontrou seu olhar. Ela o fitava muito intensamente, com o rosto sério.

- Eu posso - sussurrou. - Acredite em mim, caçador. Traga-me a vida dele, e trarei a sua de volta.

Havia algo naquele olhar. Aqueles olhos verdes cinzentos olharam através dele, como se ela pudesse ver todo o passado e o presente, todo o medo e a dor que ele havia encontrado. As coisas que mais desejava no mundo. Sabia que, ultimamente, desperdiçava sua vida e sua alma todas as manhãs na taverna escura, bebendo para esquecer sua existência.

Quem era esse prisioneiro, esse estranho, para ele? O que importava se a Floresta das Sombras fosse seu fim? Lentamente, ele encontrou os olhos da rainha e assentiu. Aquilo seria feito. Ele iria forjar seu caminho em meio aos bosques assombrados e recuperaria o tal prisioneiro.

Não tinha nada a perder.

A Caça ao Cervo Real [Romance Gay] - Livro IWhere stories live. Discover now