61 - Regresso

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A minha cabeça estava estranha. Eu me sentia leve, quase sem matéria. Me sentia distante, como antes do acordar, quando não temos certeza se estamos sonhando ou ouvindo alguém conversar.

Conheço essa voz. E conheço esse cheiro amadeirado também. O meu ser se encolheu com a saudade. Uma fresta de luz entrou nos meus olhos.

— Alma? — urgência e desespero. — Por favor, acorda, carissimi!

O choque foi real. Tive plena consciência do meu próprio corpo nessa hora. É ele! Consegui finalmente abrir os olhos. O mundo ganhou foco. Verde e dourado.

Carissimi? — o sorriso mais radiante e glorioso do mundo inteiro estava parado bem ali na minha frente.

— Gael! — pulei no pescoço dele rindo e tremendo. Inspirei o cheiro de madeira e âmbar. Nunca, nunca mais vou soltá-lo!

— Bem vinda de volta, cunhada! — Elisa me abraçou e só aí eu vi os outros.

— E o Natan?! — perguntei aflita. — Ele está... — não se devem fazer perguntas para as quais não se está preparado para ouvir a resposta.

— Ainda respira. — Elisa respondeu.

Soltei o ar pesando uma tonelada a menos.

— O que aconteceu? — Ramon perguntou. — Onde está o Zain?

— Está em casa. — me lembrei instantaneamente do sonho estranho que tivera. Não foi um sonho, foi? Não, não foi. Sinto estive lá. Foi real. — E o sol vai continuar brilhando.

— Você conseguiu! — o aprendiz declarou com felicidade. — O sol está a salvo. Você conseguiu, guardiã, venceu a noite sombria.

E por falar em sol continuar brilhando... estava claro ali em baixo!

— Pois é. Quem diria! — respondi. 

— Eu diria. — Gael respondeu orgulhoso.

— Então podemos mesmo ir para casa. — Elisa olhou o estado de Natan. — Ele não vai aguentar a viagem.

— Bom... — comecei e todo mundo olhou para mim. — Vai ser rápido. — prometi.

O veneno começou a escorrer em minhas veias outra vez. A insanidade tornou a rir na minha mente com escárnio, me convidando. Encarei-a nos olhos. Dessa vez não. Tenho comigo o meu ponto de conexão com a sanidade. As esmeraldas de sol me encaravam com curiosidade. Imaginei o lugar que eu procurava e fechei os olhos.

— Estamos em casa? — Elisa olhou a praça central dos naturais.

— Estamos na vila! — Ramon deu um gritinho de entusiasmo. — Agora eu gostei de ver!

— Se posso encontrar lugares que nem mesmo existem nessa realidade — dei de ombros — posso muito bem acelerar algumas centenas de quilômetros sem nenhum problema.

As pessoas que se assustaram com a nossa chegada, reuniam-se à nossa volta. Os botânicos imediatamente assumiram o papel que lhes cabia.

Sr. M, Selva, Heitor, Hector, Vânia e o meu amigo, John. Gael tinha sido tirado da lista. Sacrifícios dos quais eu jamais me esqueceria. Natan não precisava ser incluído. Ele tinha que ficar bem!

Fiquei ali mais duas semanas, até a lua nova retornar ao céu e permitir a passagem para o lado de lá. No final, um sabor agridoce, que ficava no meio-termo entre uma vitória e uma derrota. Havia rostos que as famílias nunca mais poderiam ver, mas todos os outros poderiam continuar vivendo.

Ramon me encontrou observando uma fada adormecida. Ele olhou aquilo com pesar. Tinha sido há uma vida o nosso primeiro encontro, também envolvendo uma criaturinha como aquela. Um encontro que gerou consequências inimagináveis para qualquer um de nós na época.

Sabia que ele se arrependia do que tinha feito, como o Gael se arrependia do seu passado. E sabia que ele sentia um profundo pesar por não ter mais a companhia de sua tutora.

Eu entendi ao longo da minha jornada naquele mundo que não existem vilões e heróis, apenas protagonistas. Pontos de vistas diferentes e cada personagem principal defende o que acha correto na sua própria história. Selva pode ter feito coisas ruins, mas ainda assim existia quem a amasse.

— Queria te dizer uma coisa, antes de você partir. — o manto branco da raposa ficava bem em sua nova moradia, ali, sobre os ombros do aprendiz. Era incrível como parecia tão mais velho e mais maduro agora. — Sobre a sua magia. — Ramon olhou fundo nos meus olhos.

Engoli em seco, acho que já sei o que ele vai dizer.

— O poder que agora carrega, Alma, é muito poderoso. Você ainda é humana. Talvez a sua mente nunca esteja realmente pronta para lidar com toda a sua magia.

— Eu sei. — senti o eco de uma gargalhada lunática dentro de mim. — Posso ficar completamente louca por causa dela. Acha que isso um dia vai acontecer? — esperei a resposta com o coração na mão.

— Você é forte, acredite nisso.

— Isso não foi um não. — rebati.

Ramon pensou por alguns instantes antes de responder.

— Não tenha medo do seu poder, guardiã. O que você tem é um dom, não uma maldição. Aprecie, aceite o que você é. Apenas não trate a sua magia como um brinquedo, use-a com sabedoria e eu tenho certeza que tudo vai ficar bem.

A fada acordou com um longo bocejo e alçou voo, indo se enroscar no cabelo dele. Depois desse alerta/conselho/aviso, Ramon me deu um sorriso aparentemente sincero. Não sei não, talvez ele soubesse mais do que queria revelar.

Ramon fez um carinho no pezinho da fada. A atenção dele se voltou para um cabelo loiro que se aproximava. O olhar ganhou um viço diferente. 

— Digamos apenas que... — ele me analisou com astúcia. — vou ficar de olho em você.

Elisa agarrou o colarinho dele e beijou o rapaz ali mesmo. Ele estaria preparado para um tapa, mas nunca para aquilo.

— Também vou ficar de olho em você, trapaceiro. — e isso foi com certeza uma ameaça!

— C-como queira, Srta. Elisa. — gaguejou um Ramon muito feliz e ainda em choque.

— É melhor não pisar na linha, filhote de raposa. Senão eu juro que te ponho de castigo. — e isso foi quase uma proposta.

A pelagem branca se despediu e desapareceu na vegetação como um animal selvagem. No fundo... ele também era uma raposa.

Ah que fofo! Tá vendo gente, tem doçura no meu coração também

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Ah que fofo! Tá vendo gente, tem doçura no meu coração também. 

A dancinha da vitória foi feita nesse capítulo? Um beijinho porque vocês merecem!

Não esquece a estrelinha. Próximo!

Noite Sombria | 3Onde as histórias ganham vida. Descobre agora