20 - Blackout

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Eu estava ouvindo-o gritar no inconsciente do sono. Sempre que eu acordava de madrugada... ele estava tendo um pesadelo.

Lá fora, a chuva caía tempestuosa contra o vidro da janela. Os gritos dele não passavam de um sussurro, mas me atingiam com uma clareza absurda.

Coloquei um jeans. Olhei a porta do vizinho. Bati. Esperei. O que eu ia dizer se ele abrisse? Talvez fosse melhor que não abrisse. Bati de novo. Silêncio. Espremi o ouvido contra a porta para ver se... 

A porta se abriu com tudo e um corpo quente amparou a minha queda. Um peito nu foi parar bem de encontro ao meu nariz.

— O que está fazendo aqui? — Gael parecia surpreso.

As aulas tinham acabado a quase um mês e ele trabalhava o dia todo em uma oficina. A gente não se esbarrava muito desde então.

— Eu... é... — a barriga acabava na borda da cueca preta acima do pijama. Credo!

— Estava ouvindo atrás da minha porta? — Gael semicerrou os olhos. — Por quê?!

— Ah... é que... — recomponha-se Alma Ferraz! Tem coisas parecidas na TV, mas esse cheiro amadeirado... Recomponha-se mulher! — Você estava tendo um pesadelo.

— Desculpe, vou tentar não incomodá-la novamente.

— Não! Não estou me queixando. Você... está bem? Deve ser difícil nunca dormir direito.

— Já tive noites melhores. — falou com um brilho de saudade e um lampejo de dor, e eu senti uma estranha necessidade de tirar aquilo dele.

— Vai me deixar plantada aqui fora até amanhã? — cruzei os braços.

— Você quer entrar? Agora?!

— É. — falei como se fosse super normal invadir apartamentos alheios no meio da madrugada. — Não se preocupe. — passei sem esbarrar em todo aquele torso quente. — Não vou te atacar, sou civilizada.

Ele riu e fechou a porta. O álbum feito em cores de outono estava no sofá. O álbum em que eu não podia mexer. A morena da capa sorria com uma felicidade que não era minha. Desviei os olhos, incomodada com a inveja que senti.

— E se o anfitrião não for tão civilizado? — ele vinha se aproximando com um riso levado.

Pobrezinha de mim, me tornaria uma vítima!

— Você é decente. — me apoiei na janela. O respeito sempre foi algo muito presente nele. A chuva forte caía desmontando o mundo. — Falando em decência, tem alguma camisa por aqui?

— Está querendo controlar os meus trajes dentro da minha própria casa, senhorita?

— Sim. — na lata.

— Seja feita a vossa vontade. — deu de ombros e se virou.

Uma tatuagem imensa, bordando as costas dele, escorrendo dos ombros até à região lombar. A surpresa e a beleza me fizeram arfar.

— Você tem uma tatuagem! — foi inevitável tocar o desenho. Ele enrijeceu a postura. Era muito íntimo, eu sei, mas não consegui evitar. Ou não quis. Não tinha certeza.

— Suponho que isso te desaponte, já que você não gosta.

Aquele desenho me atraía de uma forma magnética. Fazia a pele do meu estômago coçar.

— Vou abrir uma exceção para essa aqui. — um sorriso grande demais forçava minhas bochechas. — É incrível!

— Então é um elogio maior ainda. — o desenho se escondeu quando ele se virou.

Noite Sombria | 3Onde as histórias ganham vida. Descobre agora