33 - Prata da lua

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— Respire, Alma Ferraz. Respire. — tentei controlar a minha respiração do lado de fora do camarim. De olhos fechados eu continuava forçando o ar a entrar em meus pulmões. Mas o oxigênio estava fazendo o trajeto rápido demais e isso estava me deixando zonza. — Você consegue. Eu sei que você consegue.

— Senhorita? — uma mão tocou o meu ombro. — Está se sentindo bem?

Um garoto estava me analisando com rugas de preocupação na testa.

Aquele era, de longe, o maior e mais luxuoso evento do qual eu já tinha participado. Eu dançava até os meus pés sangrarem, com dedos tortos e cheios de calos. Posso viver sem respirar, mas não posso viver sem dançar. Eu dançava e ensaiava até atingir o exímio nível da perfeição. No dia em que meus pés não arderem e doerem é porque eles não estão mais ligados ao meu corpo.

— Estou. — respondi com a garganta seca. — Mas estou quase surtando também. — e deixei escapar uma risada um pouco histérica, o que nos fez relaxar.

Apesar de ter dado suor, lágrimas e sangue por aquele papel, fiquei muito surpresa com a conquista. No fundo eu achava que ainda não era boa o bastante para ser a peça central de uma apresentação de ballet.

— Devo imaginar que tem alguma criatura mítica sanguinária atrás dessa porta? — ele brincou apontando o camarim que eu estava tentando enfrentar.

— Alguma coisa assim. — sorri. — Se chama figurino e maquiagem. — daqui a meia hora eu estaria em cima do palco.

— Eu podia te arranjar uma taça com algo relaxante. Vi um monte de garçons lá atrás no salão com bandejas cheias de álcool que promete tirar tensão e ansiedade, mas... — ele fez uma careta como se não gostasse da própria ideia. — talvez não seja adequado a uma garota que decidiu que a sola dos pés é grande demais e por isso prefere usar só a pontinha deles.

Ele me fez rir com aquela definição de 'bailarina'. O garoto devia ser filho de algum funcionário que trabalhava nos bastidores.

— Qual é o seu nome? — perguntei.

— Ramon.

Uma sensação estranha me invadiu. O meu cérebro começou a procurar alguma coisa perdida lá dentro, mas tinha coisas perdidas demais na minha cabeça.

— Eu conheço você? — tinha a sensação de já termos nos encontrado há muito tempo atrás. Talvez dentro de um sonho.

Ele tombou a cabeça e sorriu de um jeito que quase me fez acreditar no que saiu da sua boca como resposta:

— Talvez de outra vida. — sua mão revirou um bolso da calça e um embrulho lindo apareceu. Tão lindo e delicado que fez o meu coração saltar. — E já que o álcool não é uma opção, que tal um pouquinho de açúcar? — me ofereceu aquele doce embrulhado em estrelas.

Açúcar cairia bem naquela hora. Agradeci e desembrulhei as estrelas recortadas e sobrepostas em camadas tão fininhas que me espantei de não terem se quebrado. O interior escondia um bombom branco como a neve. A textura era tão macia que me fez lembrar de pelo, mas o sabor era divino. O recheio alaranjado como o fogo tinha gosto de morango.

— Hummmm. — suspirei de boca cheia. — É delicioso. — tinha gosto de alguma coisa feita em casa.

O garoto ficou me olhando com um sorriso estranho e a inocência infantil que existia nos olhos dele deu lugar a algo mais complicado. O gosto doce na minha boca ficou subitamente amargo quando engoli.

— Do que esse doce é feito? — perguntei.

— Da prata da lua.

Que resposta era essa?! Alguma coisa não estava certa ali.

Uma tontura vertiginosa e repentina me fez apoiar no garoto à minha frente. Os meus pés ficaram bambos. Um enjoo angustiante me fez fraquejar os joelhos. Ramon continuava sorrindo, um sorriso que não parava de crescer. O que está acontecendo comigo? A minha visão ficou turva e esbranquiçada.

Ele me sentou no chão. Bamba. A minha boca amargava como fel. A dor começou. O grito na minha garganta rasgou o ar sem piedade. O meu cérebro estava chacoalhando furiosamente dentro do crânio. Meus olhos se encheram de lágrimas. O que está acontecendo?!

— O que você fez comigo?!

— Eu envenenei você. Pela segunda vez.

Senti uma onda de medo e desespero. Angústia me comprimia o peito, amarrando o meu coração em correntes de espinhos. A dor ficou tão insuportável que eu pensei que fosse desmaiar, mas ela queria ser sentida e apreciada por completo. A dor queria ser o centro das atenções.

— Deixe-me explicar como as coisas vão funcionar dessa vez. — Ramon falava calma e pausadamente. — Isso pode matar você, ou te trazer de volta. — ele tirou o cabelo grudado de suor do meu rosto e me apoiou contra a parede antes de me soltar. — A escolha é sua. Escolha direito. — me deu as costas e se afastou.

O meu corpo parecia que estava se rasgando por dentro. Uma faca em ferro fundido me esfaqueava a alma sem hesitação. O suor gelado de pura dor me causava calafrios. Me embolei numa bola, caída no chão, apertando o próprio corpo, tentando inutilmente fazer o fogo abrasador e incendiário me abandonar.

Eu já não estava completamente lúcida quando ouvi o sussurrar da voz de Ramon fazer cócegas na minha mente:

Com os cumprimentos da Raposa Branca.

E tudo desapareceu. Ele me deixou lá para morrer sozinha.

 Ele me deixou lá para morrer sozinha

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Olá amores!

Dizem que é difícil resistir aos próprios instintos, e uma raposa tende a ser trapaceira. O que eu faço com esse aprendiz?

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