45 - Eremita

289 61 24
                                    




O chão tremeu inteiro. Uma luz pulsou e varreu o ambiente, me cegando por um instante. A besta se encolheu, assuatada e fugiu.

Um cajado com uma estrela na ponta repousava ereto na planície. A figura que o empunhava estava totalmente coberta.

— Sigam-me. — uma voz masculina ordenou. Virou-se e começou a se afastar.

Não sabíamos quem era aquela pessoa, mas acatamos a ordem. Seguíamos a figura encapuzada em silêncio, atentos à nossa volta.

Analisei o grupo. No geral, vi roupas rasgadas e alguns cortes. Gael mancava um pouco mas era Hector que se destacava. Ele caminhava firmemente, com passadas resolutas, mas suas roupas estavam encharcadas de sangue. Ele não estava ferido de forma condizente com aquele vermelho todo. Tivemos uma baixa. A ausência do irmão gêmeo me confirmava isso sem que eu precisasse perguntar onde estava o Heitor.

O cajado bateu duas vezes no chão e a luz da estrela ficou mais forte. A imagem à nossa frente tremeu, como num dia muito quente de verão.

— O que aconteceu? — Selva olhou ao redor.

— Uma miragem. — respondeu. — Não impede que as criaturas entrem, mas confunde sua visão.

Pinheiros alongados cresciam em direção ao céu de pedra em meio a carcaças de aviões de todas as idades, caindo aos pedaços ou ainda com pintura e verniz. Embarcações, navios inteiros ou só uma chaminé e centenas de contêineres. Um mar de estruturas metálicas que eu reconhecia muito bem, aquilo vinha da Terra.

— Que lugar é esse? — perguntei.

Tudo aquilo estava escondido sob uma miragem criada pelo eremita. Olhando de fora era invisível.

— O cemitério de ferro. — respondeu. — Ou casa, como queira chamar. — abriu a porta do que sobrou de uma aeronave.

Algumas máscaras de oxigênio ainda pendiam do teto. O eremita tirou pela primeira vez o capuz. A pele estava pálida de um jeito doentio pela falta de luz.

— Fiquem à vontade. — o homem, na casa dos cinquenta, tinha a barba densa e o cabelo amarrado na nuca.

— Qual é o seu nome? — Gael perguntou.

— Zainder. Mas todo mundo me chamava de Zain.

— Obrigado por nos salvar. — ele se sentou segurando a perna.

Eu me sentei ao lado do caçador e vi um buraco na coxa que continuava sangrando.

— Está ferido. — meu coração apertou.

— Vou ficar bem. Pode me ajudar aqui, Hector?

O metalúrgico se aproximou para ver a ferida, assim como os demais.

— A bela dama atirou em mim. — Gael acrescentou com um brilho de troça no olhar. — Ainda nem estamos casados e ela já está tentando me matar.

— Boa menina! — Elisa riu, debruçada no encosto da minha poltrona.

— Vamos ver o que eu posso fazer. — Hector tocou a ferida.

— Merda! Dói mais para sair do que para entrar!

— Prontinho. — o metalúrgico atraiu a bala como um imã.

— Você vai ficar novinho. — Vânia colocou um unguento amarelado sobre a coxa dele.

— Foi sem querer. — dei-lhe um beijo na bochecha.

O Sr. Zain observava o grupo com atenção.

— Habilidades interessantes. Os primeiros seres vivos a aparecerem por aqui. De onde vêm?

— De cima da pedra que cobre o céu. — Natan respondeu.

— E o senhor, como veio parar aqui embaixo? — Vânia devolveu.

— Ah! Já foi há tanto tempo! Vamos ver... eu era piloto, adorava o meu trabalho. O meu copiloto estava contando histórias fantasmagóricas sobre o triângulo das Bermudas enquanto sobrevoávamos aquela região. — ele coçou a barba e riu. — Aquele garoto adorava lendas e assombração. — suspirou com a lembrança, ou com a saudade. — Do nada, os instrumentos de navegação ficaram caóticos. A próxima coisa de que me lembro foi de acordar aqui. Consegui sair da aeronave um segundo antes de ela explodir.

— Ele é humano. — Selva constatou. — É incrível que tenha sobrevivido.

— Não exatamente sozinho. — o eremita acariciou a pedra cintilante do cajado. — Essa maravilha salvou a minha vida no meu primeiro encontro com um ignáminu, chamo assim aquelas coisas que tentaram devorá-los. Nunca corri tanto na vida! Minha primeira ex-mulher não se cansava de repetir que eu estava sedentário. Ela teria que engolir a língua se tivesse me visto naquela hora! — contou com um risinho. — Tropecei e caí e foi aí que vi essa coisa brilhante. Peguei para atirar na besta, mas ela me encarou assustada, como se eu fosse uma ameaça e me deixou lá, sozinho, com a pedra na mão.

— Posso vê-la? — Selva pediu.

— Somos inseparáveis desde então. — o homem lhe estendeu o cajado. — O único casamento que consegui manter!

— Tem uma magia muito poderosa aqui. — a luz ficava mais intensa quando era tocada. Selva devolveu-lhe o bastão.

— Você disse que não tem seres vivos aqui embaixo. — Ramon começou. — Mas... aquelas coisas não pareciam vegetarianas.

— De vez em quando ouço um barulho ensurdecedor e sei que outra fuselagem está chegando. Ninguém nunca sobreviveu. Os ignáminos comem as carcaças. Não sei quanto tempo conseguem ficar sem se alimentar, mas nos últimos tempos tem chegado mais comida.

Então os barcos e aviões estavam sendo sugados para o abismo. E os corpos estavam alimentando as bestas da escuridão.

— Como sabe que não vai aterrissar nada bem em cima da gente? — John perguntou.

— Não sei. — falou. — Mas é melhor do que fazer acampamento no meio do ninho deles, como vocês lá na campina.

— Existe uma criatura adormecida nas montanhas — Selva falou. —, que está causando essas perturbações. Estamos aqui para impedir que ela desperte. Vem com a gente. Ficaremos protegidos com a luz da sua pedra.

— Podem me tirar daqui? — perguntou. — Quero voltar para casa.

— Nós também. — ela respondeu. — Mas deve compreender, que garantias seriam exageros no momento.

— Compreendo. — analisou a proposta. — Saímos amanhã bem cedo. Com fome?

No meio da confusão, algumas mochilas foram deixadas para trás e os suprimentos restantes não seriam suficientes. O eremita tinha uma coleção de enlatados, nem todos na validade. Zain disse que era questão de sorte e bom senso, basicamente, se tivesse bom aspecto e bom cheiro, dava para comer.

Adormeci rapidamente. O meu único desejo era poder ter um sono sem pesadelos.

 O meu único desejo era poder ter um sono sem pesadelos

Ops! Esta imagem não segue as nossas directrizes de conteúdo. Para continuares a publicar, por favor, remova-a ou carrega uma imagem diferente.

Personagem novo na área!

O que acharam do eremita? Não vale dizer que querem trocar ele pelo John kkkkkkkk ainda vou precisar do guardião.

Se gostou deixa uma estrelinha. Bjo!

Noite Sombria | 3Onde as histórias ganham vida. Descobre agora