16 - Bilhetes e desafios

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No dia seguinte, quando cheguei em casa depois do ensaio na academia, em cima da minha escrivaninha encontrei uma caixinha do meu bombom preferido, prendendo um bilhete escrito de próprio punho que dizia:

Uma pequena compensação pelo susto que a fiz passar a noite anterior. Mais uma vez, perdão.

Passei a ponta dos dedos sobre a caligrafia muito limpa e bem bordada. Toda simétrica e elegante. Eu não escreveria bonito daquele jeito nem se a minha vida dependesse disso. A minha letra só não era considerada um garrancho porque era legível, mas de beleza e simetria era totalmente desprovida.

Abri um doce, me jogando na cama. Talvez eu devesse escrever alguma coisa para ele também. Um agradecimento? Não. É melhor não. Foi só um bilhete simples. Não precisava de resposta.

Olhei a minha escrivaninha. Ela olhou de volta para mim. Levantei da cama num pulo pegando uma folha branca da gaveta. A caneta rabiscou de azul:

Se jogar da janela?! Isso foi apelação! Não sei não.
Estou na dúvida se um pouquinho de chocolate paga por isso.

Rasguei o papel e fui correndo até o apartamento vizinho. Passei o papel pela fresta da porta. Pronto. Voltei para casa me sentindo bem satisfeita. Depois do jantar, como fazia todas as noites, ajudei a minha mãe com a louça suja.

Quando voltei para o meu quarto, encarei a mochila tombada no chão, perto da cabeceira da cama. Tinha dever de casa de geografia e física para fazer antes do descanso merecido e estava decidindo por qual deles começar. Física, eu acho, o mais difícil primeiro. Fechei a porta e... um aviãozinho de papel caído atrás dela! Peguei a frágil aeronave e a desdobrei.

Confessa que você ia se acabar de chorar!

— Ai, que palhaço! — ri alto, voltando para o resto da folha que eu já tinha usado um pedaço.

Vaso ruim não quebra.
Você ia continuar inteirinho.

Passei correndo. O meu pai fez uma careta no sofá. Achou estranho mas não falou nada. Eu mal tinha entrado de novo no meu quarto e outro aviãozinho zuniu pela janela, me atropelando.

— Como é que ele faz isso tão rápido?

Vem aqui na minha casa, falar isso na minha cara se tiver coragem.
Duvido que tenha!

Que abusado! E agora? Não podia ficar assim.

Chegou mais um voando.

Medrosa. Covarde.

Arfei lendo o recado. Ele vai ver só! Meu pai continuava acompanhando em silêncio o meu trajeto com os olhos.

Levantei a mão para bater na porta da casa ao lado e ela se abriu antes que eu a tocasse. Um sorriso branco, largo, desafiador, satisfeito consigo mesmo e muito provocante atendeu.

­— Oi, vizinha.

— Eu não sou medrosa! — disparei.

— Eu disse na minha casa. Você está no corredor.

Arqueei uma sobrancelha. Ele ia mesmo me obrigar a fazer isso. Muito bem então. Entrei pela passagem aberta ao seu lado enquanto Gael me acompanhava com olhos cada vez mais satisfeitos.

— Aqui estou. — cruzei os braços. — Se achava que eu não vinha, você perdeu.

— Mas nem sempre perder significa uma derrota, pulchram. — passou por mim indo se sentar no sofá.

Noite Sombria | 3Onde as histórias ganham vida. Descobre agora