47 - Ignáminus

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Hector se contorcia, urrando e berrando. O corpo dele, retorcido e deformado, fazia movimentos que um corpo humano não deveria jamais fazer.

Ele se sentou de costas para nós. Alguma coisa estava se mexendo sob o tecido de sua camisa! Sangue espirrou. A coluna vertebral começou a sair em forma de espinhos. Ele arrancou desajeitadamente a blusa rasgada. A pele estava muito pálida e pegajosa, a cabeça... anormalmente inchada. Não!

Hector se agachou, de quatro. Babando. Os braços e pernas estavam alongado, finos. Ele está se transformando em uma daquelas coisas!

O ataque foi instantâneo! A correria e os tiros se seguiram. A transformação ainda não estava completa, mas Hector perdera tudo o que tinha de humanidade. Ele é uma besta. Um ignáminu.

— Onde está o cajado?! — alguém gritou no meio da confusão.

A criatura era violenta e muito ágil. Estava ferida, mas longe de ser contida. A algazarra deve ter atraído atenção, porque tínhamos companhia. Elisa acertou o ombro da outra besta que fugiu para a mata.

Hector tinha sido finalmente controlado. A criatura moribunda agonizava no chão. Algumas poucas feições desfiguradas deixavam ver que aquilo já fora um homem um dia.

Gael franziu as sobrancelhas, empunhou novamente a arma... e atirou.

A agonia acabou. Das feridas abertas escorriam tanto sangue vermelho como gosma escura.

— Agora j-já sabemos p-porque n-ninguém volta d-daqui. — Ramon agarrou-se à Elisa, tremendo inteiro, sem conseguir desviar os olhos do morto.

— Onde está o eremita? — Gael perguntou com urgência.

— Precisamos sair daqui agora! — a voz do homem atrás da minha orelha me fez dar um pulo e eu trombei em Vânia.

— Onde esteve?! — Gael cruzou o grupo e o encarou. Mais acusação do que pergunta.

— Afugentando as criaturas na floresta. Elas estão nos seguindo. Pobre garoto. — observou o corpo deformado. — Teve uma morte horrível.

— Para a próxima, fique com o grupo! — o caçador rosnou. — Todo mundo ouviu. Precisamos sair daqui. Agora!

— Não podemos caminhar por muito mais tempo. — Selva frisou. — Vamos pela água.

— Eu concordo com ela. — Elisa falou. — Não acredito que eu disse isso. Esse lugar é mesmo o fundo do poço.

Selva bufou para a provocação.

— Nunca fiz nada tão grande. — a filha da lua acrescentou. — Sempre tem uma primeira vez.

Ela se ajoelhou na margem do lago e tocou a superfície com as mãos. O líquido começou a crescer em cristais. Um emaranhado de fibras de gelo dançando, a forma de uma embarcação simples aparecendo com magia.

— É gelo. — Selva se apoiou em Ramon, meio zonza, e se levantou. — Flutua.

Elisa começou a enfiar todo mundo dentro do barco. Os remos foram enrolados em tecidos para não nos queimarem.

— Já tinha visto aquilo acontecer, Sr. Zain? Hector? — Selva perguntou.

A conversa que permeava a mente de todos finalmente rompeu o silêncio e veio à tona enquanto ganhávamos velocidade.

— Já aconteceu algumas vezes.

— Com quem?! — perguntei. Ele não tinha dito que todo mundo chegava morto nas aeronaves e embarcações?

— Com as pessoas que pulam lá de cima. — respondeu. — Do mesmo lugar de onde vocês vieram.

Já fazia muito, muito tempo que alguém fora banido do mundo natural. Mais tempo, muito mais tempo, do que um humano poderia viver. Então... como podia ter visto isso? Quantos anos Zainder tinha?

— Achei que tivesse dito que fomos os primeiros vivos aqui depois do senhor. — Elisa pontuou.

— Sim. Vocês foram os primeiros que eu consegui salvar. Os outros todos ficaram doentes.

— Por que não avisou o que ia acontecer com o Hector? — Natan pressionou.

— Pensei que a curandeira pudesse salvá-lo com suas ervas. — respondeu. 

— Por que ele e não nós? — questionei. — Por que nós ainda não ficamos doentes?

— Ah... isso aí eu já não sei. Talvez sejam imunes, como eu. Vivo aqui há tempo o bastante para já ter pegado qualquer coisa.

A ruiva de manto branco não acreditava nisso. Senti medo da expressão dela.

Dentro da minha cabeça continuava ouvindo o eco dos uivos ensandecidos da coisa horrorosa que Hector se tornara.

— Sr. Zain! — Selva se voltou para o homem que remava perto dela. — Está sangrando.

— Ah! Isso. — uma mancha escura começava a se formar em seu ombro.

— Vânia pode ajudar com a ferida.

— Foi só um arranhão. — o homem tentava se livrar dela.

Selva jogou a aba do manto dele para trás, mesmo contra os protestos do dono. Ela olhou os próprios dedos sujos.

— Sr. Zain... — a ruiva encarou o eremita. Um leve estremecimento de compreensão. A essa altura todos nós já tínhamos visto. — O senhor está sangrando... como eles.

Uma visão de Elisa alvejando a segunda criatura no ombro quando Hector nos atacava traspassou a minha mente como um raio. O mesmo lugar daquela ferida.

— Vejam que curioso! — o eremita falou sem nenhuma surpresa.

Cada mísero pelo do meu corpo estava eriçado como uma agulha. O gatilho das armas sendo destravadas ecoou.

— Você é um deles. — Natan acusou.

— Na verdade, não. — retrucou calmamente. — Eu sou o progenitor!

 — Eu sou o progenitor!

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Olá, olá!

Mais essa agora! O eremita é o criador das bestas! Esperavam por essa?

Não esquece da estrelinha e vamos ao próximo ;)

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