43 - Escuridão

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A criatura que me prendia pelas cordas deu um puxão violento e fez o meu corpo subir com o impulso. Eu vou morrer!

— Não precisava de uma entrada triunfal, pulchram. — dois braços fortes me envolveram pela cintura.

Gael! — me joguei ao pescoço dele com um gemido de alívio.

— Quem mais seria? — ele riu. — Pelo menos asas o mequetrefe ainda não tem!

Nós acabamos de descer. Era noite. Nada de sol, mas dava para enxergar, diferente do que eu esperava, como se ali houvesse o prateado do luar. Tudo era feio e morto. Árvores retorcidas e encurvadas, escamando, corcundas e enrugadas. Seus troncos estavam congelados numa expressão sombria, um grito, onde cavidades pareciam bocas e olhos ocos.

Natan e Elisa chegaram logo depois. Caçadores. Não conheci a nenhum deles em sua época realmente sombria. Os três, de semblante obtuso, postura firme e ereta, prontos para o ataque. Agressivos. Com as asas ligeiramente arqueadas eles eram como anjos negros. Letais. Ainda bem que estamos do mesmo lado!

O grupo se completou. Respirei. Sobrevivemos às nuvens de tempestade que gritavam e rugiam mas não derramavam uma única gota de chuva.

Aquele lugar não tinha céu, nem lua e nem estrelas porque o espaço que formava as terras da fantasia estava suspenso, flutuando no ar. Uma gigantesca formação rochosa que se mantinha acima de nós.

— Estamos vivendo sobre uma rocha flutuante todo esse tempo?! — Selva perguntou com desgosto.

Se aquela pedra caísse de lá tudo se desfaria, o mundo lá em cima e o mundo aqui em baixo.

— Não é bem uma rocha. — respondeu Heitor.

— Dá para sentir o magnetismo vindo de lá. — o gêmeo metalúrgico acrescentou. — É metálico, não há dúvidas.

— Se deveria me tranquilizar, não funcionou. — pontuou a filha da lua. — Continua sendo algo que não está preso a nenhuma base. É, no mínimo, frágil e instável.

Ignorando o fato de que era possível sermos subitamente esmagados, seguimos adiante. Seguiríamos o cheiro agridoce e empoeirado até encontrar a criatura adormecida.

A paisagem não mudava muito ao longo do caminho. Sempre os mesmos tons cinzentos e escuros. As sombras das pedras e da vegetação formavam desenhos abstratos e perturbadores. Parecia que todos os meus sentidos estavam à flor da pele.

— Estão ouvindo isso? — Vânia perguntou.

Paramos e ouvimos com atenção.

— Não ouço nada. — Natan respondeu depois de alguns segundos.

— Exatamente. O silêncio. — a botânica explicou. — Nenhum pássaro, nenhum bichinho. Nada. Estamos no meio de uma mata à noite, quando tudo fica mais vivo e barulhento. Aqui... não tem nada.

Um arrepio de terror. Por qual motivo não tinha vida nenhuma ali?

Andamos por um bom tempo antes de uma pausa para descansar.

— Ainda estamos longe? — perguntei ao Gael que se sentara ao meu lado. Uma parte de mim queria que ele dissesse não, porque assim acabaríamos logo com isso, mas a outra estava rezando para que ele dissesse sim, porque eu estava morrendo de medo de não conseguir enclausurar a criatura.

— Sim. — ele apontou uma planície visível ao final da floresta onde estávamos. — São muitos quilômetros de caminhada pela frente.

— Como sabe? — perguntei.

— Calculo a distância pela frequência e oscilações do cheiro.

— Como consegue fazer isso? Rastrear um cheiro?

— Não sei, é... eu só preciso me concentrar nele. Aí tudo se torna mais claro. — ele olhava a minha cara que dizia: não entendi nada! O caçador sorriu. — Me diz, como você faz para respirar?

— É natural, apenas... faço.

— Rastrear um cheiro é natural para mim. Apenas faço.     

Fazia mais sentido depois dessa comparação.

— Sua irmã quer falar com você. — John se aproximou.

Gael encarou o rapaz em silêncio. A postura dele mudava toda vez que John estava por perto. Era como se ele encarasse um inimigo perigoso bem de frente.

Elisa conversava com Ramon a alguns metros, mas dava umas olhadas na nossa direção.

Gael ainda não tinha dado um passo quando John ocupou o lugar ao meu lado.

— Vai dar tudo certo. — uma mão pousou sobre o meu joelho. Pronto. A guerra está declarada.

— Tire a mão dela.

— Por quê? — John se levantou e o encarou. — Por que você está mandando? Você não é meu superior.

— Está tentando me intimidar?! — uma sobrancelha levemente erguida e a sombra de um sorriso num canto da boca. O deboche e o escárnio eram cortantes em sua voz de desprezo.

— Tem certeza que sabe com quem está lidando? — John espalmou a mão sobre o peito do Gael e ele tremeu. — Que tal uma visita à outra dimensão?

— Toma cuidado com isso! — levantei num pulo, tirando a mão dele do peito do Gael. — É perigoso!

John não poderia mandar uma pessoa inteira para outro espectro, a magia dele era fraca, mas era o suficiente para mandar um coração.

— Eu sei que é perigoso. — ele estava muito mais do que adorando o novo poder. — Quem não sabe disso é ele.

A risada rouca e abafada do Gael me fez estremecer.

— Cuidado, guardião. — a voz dele não era agressiva, era brincalhona, o que era ainda pior, porque significava que estava se sentindo à vontade com o algo muito escuro que um dia já viveu dentro dele. Um gato brincando com um rato. — Entre nós dois... você continua sendo a presa!

Oi gente linda! Como foi a semana?

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Oi gente linda! Como foi a semana?

Esse John está colocando as garras de fora! E olha que parecia um menino tão amável.

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Noite Sombria | 3Onde as histórias ganham vida. Descobre agora