51 - Eu

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Gritei tão alto que provavelmente teria acordado os mortos. Em todas as dimensões!

O tiro que passou raspando a minha orelha me deixou surda de um lado. Eu corri. Não. Eu voei! Ninguém corre a uma velocidade tão alta!

Para onde estou indo? Onde fica o acampamento? O meu coração batia ensandecido, meus pés esmagavam galhos e folhas secas, quebrando o silêncio do ambiente... Silêncio? Silêncio! Olhei para trás pela primeira vez...

A mata estavavazia. Não tinha coisa nenhuma me perseguindo, não tinha... Elisa. Pânico. Por que pararam de me perseguir? Por que estavam ocupados com outra pessoa?! Não, por favor, que Elisa esteja bem, por favor!

— Recomponha-se! — ordenei a mim mesma. Precisava me orientar, não podia ficar esperando no meio da mata.

Olhei a floresta escura e vazia. Nunca fui fã de acampar. Como é que eu vou me virar sozinha? Gael é um caçador, ele pode rastrear cheiros, ele vai me encontrar. Não seria a primeira vez dele. Isso, nada de pânico.

Continuei caminhando numa direção qualquer. Encontrei uma árvore oca, tombada. Com alguma folhagem camuflando seria o mais perto de um esconderijo que eu conseguiria chegar.

Arrastei galhos até à minha toca. Eu ficaria escondida de olhos curiosos, mas o olfato era outra conversa. Caso aquelas coisas pudessem me farejar...

Ela estava parada metros à minha frente.

De pé. Os joelhos levemente flexionados. A testa inchada e proeminente escondendo olhos pequenos. A coisa deformada estava me encarando. A minha arma ainda estava no cinto? Tinha medo de baixar os olhos, ou levar as mãos até lá, e fazer a criatura se mover.

Eu vou morrer hoje. Compreendi a veracidade desse pensamento. A besta vai me atacar de qualquer jeito. Quais são as minhas chances? Não posso correr dela, também não posso lutar contra ela.

Ela se abaixou lentamente, as quatro patas indo para o chão. Estava se preparando para correr. Olhei para a minha cintura, ela atacou. Meus dedos envolveram o cabo da pistola com desespero e atirei em sua direção.

Ou a minha mira era péssima ou aquilo era muito ágil, ou talvez as duas coisas, o que importava era que a coisa não parava de se aproximar. Urrando e guinchando horrendamente, a besta pulava de um lado para o outro, dificultando a pontaria. O som oco dos cliques vazios me deu um tapa na cara. Não tenho mais balas.

Minhas pernas bambas se moveram por vontade própria. Senti uma corda grossa se enroscando no meu calcanhar, o meu equilíbrio desapareceu, o chão se chocou contra o meu rosto enquanto minha perna era puxada. Fui virada no chão, uma garra pesada afundou o meu pescoço. A besta subiu em cima de mim, me lembrei de Vânia. Não é assim que eu quero morrer! Ela apertou mais meu pescoço. As minhas mãos tentavam aliviar a pressão da pata.

Aquela coisa fedia! Um cheiro podre de petróleo e peixe. As narinas acima da bocarra começaram a vasculhar o meu rosto.

Não é assim que eu quero morrer, eu sou uma guardiã, quero uma morte mais digna! Uma guardiã! Os olhos negros se fixaram em mim. Alma Arantes Ferraz, você é uma guardiã! A boca se afastou tomando impulso. ENTÃO SEJA UMA AGORA!

Fechei os olhos com força, procurando pela loucura dentro de mim ao mesmo tempo em que os dentes escrotos desciam com vigor sobre o meu corpo. Ouvi a insanidade gargalhar. Senti o ardor na testa...

Não tinha coragem de abrir os olhos.

Eu morri? Se morri ainda tenho consciência. Alguma coisa quente escorreu do lugar que ardia. Com o corpo bambo, consegui abrir uma fresta das pálpebras. Não vi dentes. Vi a folhagem da copa das árvores.

Me levantei num pulo, a coisa desapareceu! Os meus dedos tocaram a sobrancelha, sangue. Consegui! Eu consegui! Consegui desaparecer com aquilo! Eu vou viver, eu vou viver, eu vou... Farfalhar à minha direita. Eu vou morrer, eu vou morrer! Tem mais daquilo!

— Alma!

Elisa! — gritei de volta. A loira me abraçou com intensidade.

— Não sabe como estou feliz de te encontrar!

— É totalmente recíproco. — falei tremendo de felicidade.

— Vem. — Elisa me puxou. — O acampamento é por aqui.

O guincho veio de cima.

— Cuidado! — gritei e a empurrei.

O bicho se reequilibrou com facilidade nas pernas traseiras.

— O acampamento está logo à frente! Vai! — Elisa me mandava correr. — Você tem que ir, Alma! Não para! — a voz dela ficou distante.

Senti um desespero opressor. Ela estava atirando sozinha contra as bestas.

— Não vou deixar você para trás de novo! — voltei os metros que nos separavam.

— É uma ordem! — ela me empurrou. — Você precisa derrotar a noite!

Foi aí que eu entendi. Eu precisava sobreviver.

Tentei repetir a façanha, mas as bestas não estavam desaparecendo. Comecei a puxar Elisa comigo. Eu precisava derrotar a noite que acordaria. Eu. Os outros estavam ali somente para assegurar a minha jornada. Qualquer um deles se sacrificaria para me manter em segurança. E era exatamente isso o que a caçadora pretendia fazer naquele momento.

Alma acabou de descobrir uma verdade, ela é a única que precisa sobreviver

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Alma acabou de descobrir uma verdade, ela é a única que precisa sobreviver. Vishiiii

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