9 - Lembranças

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-Miguel, Miguel ! Acorde é só um sonho. - Me pus sentado na cama, Caio do meu lado em pé com as mãos em meu ombro. Levei meu rosto em minhas mãos e o choro veio rapidamente. Era horrível a sensação que eu tinha de que aquilo aconteceria de novo. Tudo que eu queria, era que aquilo fosse apenas um pesadelo, não uma lembrança.

-Miguel preciso falar sério com você !- Seu tom era sério e forte. Não era o Caio no qual eu havia me acostumado.- Sei que tudo isso te deixa muito triste e que realmente é horrível ter passado por tudo aquilo, mas...

- Você quer ir embora não é ? Estou tirando sua vida, ou quase isso, me desculpe. – Podia sentir as lágrimas se acumulando novamente em meus olhos. Por um momento pensei em como seria difícil encarar a dor sozinho, só pelo pensamento meu coração doeu.

- lógico que não, não diga bobagens! Você não esta tirando a minha vida, esta tirando a sua Miguel. – Nesse momento fiquei confuso, ele ainda se mantinha sério em minha frente, seu rosto um pouco turvo por causa das lagrimas e da pouca iluminação que havia no meu quarto.

-Eu ? Tirando minha vida ? Não entendi!

Não entendeu ? Você é lindo Miguel, você tem uma vida inteira pela frente e esta ai, jogado, largado. Tudo por causa daqueles dois idiotas que fizeram aquilo com você. Isso não é certo, você tem que reagir !

-Reagir ? como vou reagir quando  o garoto que mais gostei na minha vida faz oque ele fez ? Meu melhor amigo me traindo pelas costas e mandando coisas pra ele. Caio, tem videos na internet, estou sendo xingado pelos amigos do Gabriel, tentei revidar e apanhei na semana passada, você sabe disso. Estou de mãos atadas.- E eu realmente estava, toda aquela situação era horrível. Por incrível que pareça, Gabriel conseguiu se aliar ao 3° ano da escola inteiro só pra me zoar enquanto eu tivesse na escola e até fora dela. Eram ovadas, sucos na camisa, água. Corretivo no cabelo entre outros.

- Você não esta. Não vou deixar você se afundar por conta dele, amanhã vou começar a agir, isso já foi longe demais !- Ele se levantou e pegou meu notebook em cima do criado mudo. Começou a pesquisar várias coisas e me privando de olhar sua pesquisa, logo sem nada pra fazer e sem assunto com Caio ,que agora havia pego um bloco de notas e começara a fazer várias anotações, fui dormir novamente.

Acordei com calor em meu corpo, o calor estava intenso e meu quarto todo fechado. Me levantei e sentei na cama pensando na noite anterior. Caio iria me dizer oque ele estava fazendo. Ele não estava em sua cama improvisada e meu notebook não estava sobre o criado mudo, oque quer dizer que ele ainda estava pesquisando sei la oque. Fui ate o banheiro, fiz minha higiene pessoal e desci pra tomar o café. Quando desci as escadas Caio e minha mãe estavam sentados no sofá olhando diretamente pra mim, Caio com o notebook nas mãos.

-Filho sente-se, precisamos conversar.- Seu tom era sério e calmo.

-Oque esta acontecendo ?- Perguntei muito confuso, oque Caio havia feito?

- Caio já me contou tudo, me mostrou os videos e as ameaças. Segunda vou a escola e falar com a diretora. Se ela não se posicionar sobre isso, eu vou na delegacia dar queixa e depois abro um processo. – Essa nitidamente não era só a minha mãe, era a advogada também. Seus olhos faiscavam raiva e Caio estava sereno ao lado dela.

- Não ! Nem pense em fazer isso! Isso só dará mais motivo pra eles me zoarem, esqueça mãe, um dia eles vão esquecer, as férias estão chegando de qualquer maneira. – As férias de Julho era oque suplicava naquele momento, paz e um pouco de tranquilidade.

-Não Miguel, isso é doentio, eles não vão parar. Isso é crime sabia ? Lesão Corporal, Intimidação Vexatória, Difamação entre outros. Isso não vai continuar assim. – Caio parecia agora mais nervoso que a minha mãe, ele batia o punho fechado em seu colo a cada palavra que ele dizia. Instintivamente comecei a chorar, será que aquilo realmente mudaria minha situação ?

- Meu filho.- Minha mãe veio até mim e me abraçou. – Me desculpe por não prestar atenção.  Eu sabia que havia algo de errado, mas não imaginava que fosse tão grave.- Ela olhava em meus olhos agora, a paz que aqueles olhos me passavam era tamanha. Me fez sentir ate melhor.- Vou resolver isso na segunda e...- Ela se levantou e foi ate a bolsa, abriu a carteira e tirou um de seus cartões.- Você vai ao Shopping hoje com o Caio comprar algumas coisas. Ele também me convenceu a te inscrever no Muay Thai hoje cedo. Você tem aulas terça e quinta logo após a escola.- ela entregou o cartão ao Caio que agora sorria.

- Oque ? Você me pôs numa aula de luta ? Oque você tem na cabeça Caio ?- estava nervoso agora, como ele fizera isso ?

-Eu não estarei aqui a vida inteira e por isso você tem que aprender a se defender. – deu de ombros.

-Então foi isso que você pesquisou na noite inteira ?

- Sim. Reuni todas as provas necessárias e vi em quais crimes elas se encaixavam. Depois fui atrás da sua aula de luta, acordei cedo e falei com a sua mãe que me corrigiu em algumas coisas.- Ele falava me mostrando suas anotações bagunçadas.

-Sim, mas ele foi genial, seria um bom advogado. – Minha mãe veio da cozinha se encostando no portal entre a sala e a cozinha.

-Pena que não vou fazer direito, quero ser ator.

-Lá vem você com esse papo de "gala da novela das 9"- Ele falava nisso todo o dia desde que nos conhecemos.

A coisa realmente era séria e de grande gravidade, mas naquela conversa nunca houve urgência ou julgamentos. Foi uma conversa calma e tranquila. O ambiente sempre esteve leve, como se estivéssemos jogando conversa fora em algum outro lugar. Nesse dia havia encontrado um novo tipo de amor, o amor de amigo. Caio me conhecia a um mês e já estava disposta a depor e virar a madrugada procurando em quais crimes se aplicavam todas as coisas que eles faziam comigo. Alem de vir sempre a minha casa e ter paciência de acordar toda noite para me livrar de meus pesadelos. Talvez o amor tenha várias faces, e Caio era uma delas, o verdadeiro amor de amigo.


—x—

Intimidação Vexatória - Art. 136-A. Intimidar, ameaçar, constranger, ofender, castigar, submeter, ridicularizar, difamar, injuriar, caluniar ou expor pessoa a constrangimento físico ou moral, de forma reiterada. Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.

§1.º Se o crime ocorre em ambiente escolar, a pena é aumentada da metade.

Forget ForeverWhere stories live. Discover now