26 de Junho de 1951

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Segunda-feira, 26 de Junho


Passava das três da tarde do dia seguinte e Melinda continuava na cama. Já preocupado, fui conferir e levei um susto; lá estava ela, de olhos arregalados olhando para o nada, enquanto abraçava o lençol junto ao seu corpinho. Beijei-lhe na testa e ela continuou impassível, alisei seus lábios machucados por seus dentes e ela afastou minha mão. Sentado ao seu lado, acompanhei seu silêncio enquanto caminhava com a mão pela curva de seu quadril, encarando sua cabecinha que parecia inventar mil coisas. Não se achava exatamente triste, estava como que analisando o que deveria estar sentindo. Deprimida ou não, radiante ou uma neblina, fosse qual fosse o estado de sua alma, seu corpo - tão isento de corpulência e tão maltratado por uma natureza desconhecida - jamais cansava de ser-me um atrativo. Por tempo demais deixei-me levar por pena e por remorso de coisas que sequer estava errado em ter feito; na casa havia somente eu e ela, tinha cabimento continuar a privar-me de minhas vontades? Livrei-lhe do lençol, ela se encolheu mais, fiz como quem ia tirar suas roupas e ela grunhiu. "Que há, Melinda?" foi minha pergunta que não teve resposta. Durante o transcurso da coisa, ela ficou com a cara virada para o lado oposto da minha, enquanto eu afavelmente lhe beijava o pescoço, buscando nela uma contração mínima pelo que estávamos fazendo. Contrariando-me, evitava piscar os olhos e até sua respiração era escassa. "Que há, Melinda?", eu continuei a repetir, virando seu rosto a contragosto para mim enquanto ela desvirava de forma brusca.

- Que há? Que há? - apliquei-lhe mais força para que minha ação conseguisse move-la em vida - Eu te amo, Mel!

À minha confissão, minha menina olhou para mim, seu mel que derretia pela esfera branca acertando-me pela primeira vez em horas. Tão forte era seu traço que me estagnei em sujeição a ele. Melinda ajeitou sua boca em um sorriso sádico e sem alegria, preparando-se para falar-me:

- É péssimo me amando.

Estendeu sua olhada para o meu choque por mais dois segundos antes de deslizar para fora do meu corpo que a prendia, arrastando-se até a beirada da cama, onde virou-se pela metade, cobrindo ao busto com o pano.

- Eu sei de tudo.

Como se eu tivesse plena consciência daquele tudo de que fui acusado com a voz, meus pelos se avantajaram e minha boca se abriu de incredulidade. Que tudo? Eu a perguntaria e seus lábios róseos e açucarados revelar-me-iam sobre ele; eu não queria saber, envergonhava-me sem conhece-lo, já me era doloroso o suficiente saber de sua existência. Ela sabia de tudo, com a voz raivosa e o um olhar desconhecido. Eu não sabia de nada e não queria ter minha confissão dita por aquela menina.

- Essa foi a última vez que tocou em mim.

Seus olhos eram de autêntico ódio, seus lábios feridos contraídos, as mãos prendendo ao pano com um nó. Tive que fechar meu olhar e abri-lo novamente para ter a certeza de que aquela figura brutal à beira da minha cama era mesmo a minha menina. Quando foi que ela crescera tanto? Conheci-a com catorze; seus rabos de cavalo pendurados de cada lado do rosto, a caminhada impaciente, seu corpo se balançando no portão da casa cinza. Em alguns meses, completaria dezessete, seu corpo, seu toque e sobretudo seu olhar de janeiro já haviam amadurecido a ponto de assustar-me. Seus olhos - regados à fúria e à malícia de um final de adolescência - preludiavam como que uma tragédia próxima.

Ela sabia de tudo. Selando-me com isso, foi-se na ponta dos pés, correndo para fora do meu quarto. Deixou-me parado, com a dúvida e a pensar em tudo.

Senhores, como poderei viver sabendo que ela sabe de tudo? Do quê? Não sei e sei menos ainda sobre isso ser importante! Por toda vida uma das coisas que sempre me foi custosa eram as jogadas na cara que eu recebia, as pessoas verbalizando aos meus ouvidos o que tinha eu feito ou deixado de fazer. Lembro-me na infância, quando meu pai descobrira quatro cartas que eu escrevera para ninguém, onde abrira meu coração e narrara algumas verdades escondidas - quase como hoje faço nesse caderninho. Ele me pediu por explicações, contando-me os pormenores do que tinha lido; tapei os ouvidos, gritei, fechei os olhos como se fosse adiantar de algo, e ele me bateu para que eu largasse de birra e o ouvisse. Minhas vergonhas sendo ditas ao ar, sentia-me o ser mais diminuto e bobo ao ouvi-las; eu era mesmo um idiota. Se Melinda resolver esbravejar esse tudo, senhores, que será de mim? Sua língua rolando pela boca, soltando cuspe da exasperação da raiva enquanto acusa-me pelo tudo. Será minha ruína, senhores, minha desgraça! Conheço minha vida e sei o quanto já errei, sei desse tudo e é isso que me inquieta. Não quero relembra-lo, oh, não quero! Muito menos por aquela sua boquinha que tanto amo. Irei cala-la se assim eu quiser, mas ela não me dirá esse tudo. Ela o sabe, ela já largou mão do seu amor, nem parece estar disposta a continuar destruindo as porçõezinhas de mim; está enojada, penso eu, pelo que sou, pelo que já disse ou escondi; ela sabe de tudo e agora vê o que lhe fiz. Que a fiz? Dei-lhe amor! De falta de amor jamais podem acusar-me. Amei-a e aos olhos de muitos - os corações insensíveis, a maioria de nós - sou um louco por ter a amado de tal forma. Mas não o sou, Melinda é sensível e sabe que eu a amo, teria ela perdido seu coração terno e delicado? É isto, esse tudo que ela conhecera sobre mim fora tão podre que violentamente retalhou a sua sensibilidade. Sou péssimo em ama-la! Falou-me! Ela agora me vê como o resto do mundo: um desvairado, seu algoz. Ela sabe de tudo, de tudo, mas de nada! Meu tudo, minha vida, é o meu amor, ela o ignora, esquece-se, não o leva em conta e portanto nada sabe. Seu tudo é desprezível de tão raso, enquanto que o meu é ela, minha criança, minha menina. Meu amor, senhores, é ele, tão bruto e impolido, que irá gritar no rosto de Melinda; farei que se relembre dele ao ver-se dentro do meu abraço e do nosso beijo. Verá e então seu tudo cairá por terra, ela saberá que sabia era de nada!

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