Terceira Carta

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Minha Melinda,

Não saberia dizer-me o dia que voltará para mim? Preciso de uma luz, mesmo que não tenha certeza de nada. Dê-me um dia para fixar no meu calendário e assim poder dormir olhando para ele. Desejo poder eliminar dia a dia, um por um, aniquilando minha dor aos poucos. Agora mesmo fico a me perguntar, quantas semanas a mais me restam nesse sentimento de absoluta solidão? Quantos dias a mais a minha sentença durará? Penso que tenho direito de saber, como um condenado sabe os dias exatos de sua pena. Mas não irei culpa-la se não tiver uma resposta. Porém, lembre-se, não peço exatidão, rogo-lhe um dia avulso, qualquer coisa que ache que funcione como o dia de sua vinda para cá. Eu me sinto muito feliz com ilusões. Acredito nelas de corpo inteiro.

Se me permitisse, iria busca-la ai. Tirar-te desse ociosidade, leva-la para Belo Horizonte. Oh! Pense, pense! Vou imagina-la fechando seus olhinhos, como fechou ao ouvir La Vie en Rose, colocando essa carta em seu peito, enquanto se deleita com o pensamento que irei lhe contar agora. Nós dois em uma estrada, indo para longe da sua tia-avó, do mato, das cadeiras às cinco e meia, nós em busca dos prédios de concreto, da multidão de pessoas aglomeradas, e quando chegássemos, em uma madrugada, não haveria ninguém, nem sequer construções, seria somente nós dois em baixo de uma árvore que encontraríamos em alguma rua da cidade. Penso em eu e você ficando bem assim, juntinhos em meio aos prédios. Sabia que há muitos e muitos por lá? Fileiras inteiras de aço e cimento, erguendo-se em meio a todo o resto. Estaríamos entre eles, mesmo assim, seríamos muitíssimos mais grandiosos. As pessoas não perceberiam tal grandeza, continuariam a ver os edifícios como superiores a nós dois juntos, mas isso porque elas não possuem corações sensíveis.

Levo-te para lá, Melinda, nesse segundo. Estou te levando embora agora mesmo. Seria capaz disso, nunca duvide. Não há impedimentos a mim quando o assunto é você. Acha que há Teresa? Que há fazenda? Que há meus filhos? Quanto à senhorita... Acha que lembro de teus tios? És minha, eles são somente infortúnios que anunciam posse sobre um patrimônio meu. O meu único impedimento, a qualquer coisa, é você. O motivo de não toma-la para mim, o fato de estarmos tão longe um do outro e não perto, nos amando, é você. Assim desejou, assim tem. Basta uma ordem para que eu altere a tudo isso, fazendo suas vontades enquanto alimento as minhas.

Sou obediente a ti e somente a ti. Dar-te-ei não somente Belo Horizonte, mas também o mundo. Diga-me o segundo e estarão em suas mãozinhas. Beijo-as agora.

Confesso que tentei fazer desse escrito o teu motivo para fuga. Confesso-te! Confesso-te! Escrevi a isso esperando que sua resposta fosse um sonoro sim a tudo que aqui implicitamente lhe propus. Não me culpo por esse pensamento, jogo tudo para cima desse amor tão violento que me adoenta, faz-me delirar e agir como tolo. Confesso-te sobretudo para deixar ainda mais às claras a minha vontade e a minha certeza em realizar todas as loucuras que tenham a ti envolvidas. Quero que saiba e que esteja tão pronta quanto eu para concretiza-las.

Amo-te, amo-te! Quer continuar a ser minha incógnita, continue. Rejeita-me um eu te amo, eu continuo a não lhe pedir por essa palavras! Tampouco as iria querer por carta. Quando um dia desejar ceder de vez, quero presenciar seus lábios vermelhos se movendo, tremendo, para no fim soprar as tais palavrinhas. Dar-te-ei um beijo em seguida, para sela-las e faze-las mais verdadeiras.

Quanto a mim, meu amor é tanto que meu eu te amo se banalizou. Digo-o a mim mesmo enquanto faço minhas tarefas, digo-lhe ao vivo e conto-lhe nas linhas. Vou despejando-o por ai porque ele é o único modo de externar todo esse sentimento que tenho que manter reprimido. Dou-o agora para que se sinta mais amada e mais querida.

Eu te amo! Je vois la vie en rose!

Do teu Gregório.

Vila Doracy, 18 de Dezembro, 1950.

AquáriosWhere stories live. Discover now