Primeira Carta

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Minha Melinda,

Não pense que me esqueci de ti, meu amor não me deixa esquecer-te. Passei os dias como lhe falei naquela noite, suportando-os. Teria lhe escrito no dia seguinte após sua ida, era o que mais eu desejava arriscar fazer. Mas quem disse que consegui? Admito, tive medo de espanta-la, continuo a temer. Por isso, empurrei três dias com a ansiedade e medo, permitindo-me hoje aqui lhe escrever. Não apenas porque me agrada fingir que estou conversando contigo, mas porque quero dar-lhe minhas palavras de amor e carinho. Sei que precisa.

Fui à casa de seus tios ao menos umas cinco vezes nesses últimos dias. Fiquei olhando para as janelas fechadas, as folhas secas dançando no chão, para tudo aquilo transbordando um óbito, mais sem vida do que já costuma ficar. Vi-me tão incrédulo quando dei por conta do motivo de tão falta de vida ali; a senhorita não estava lá. Minha Melinda está longe e sua ausência era a morte. Meu rosto deu de cara com um muro. Tinha consciência de que havia partido, porém, em todas as cinco vezes que fui espiar a casa, parte de mim, meu lado otimista e esperançoso, presumia que você fosse abrir a porta e sorrir para mim, comigo te olhando do outro lado da rua. Meu otimismo me cega tanto, Deus! Seu coração está longe do meu, sei com certeza disso, mas isso me é tão custoso, doí-me tanto que fantasio sua presença a algumas ruas donde estou.

Diga-me, minha menina, ainda está triste? Peço para que não. Rogo-lhe pelo teu sorriso!

Amo seu jeito quando sorrir, Melinda. Amo a maneira como baixa a cabeça, fingindo timidez, enquanto olha travessa. Seus bracinhos pendendo no corpo, a mexida que faz com a cintura, sua saia balançando por suas coxas. És linda. Queria dizer-lhe isso, hoje. Que és linda e que sinto a sua falta. Chego a chorar de saudade e de amor. Antes de Melinda, eu era um, hoje sou outro. Tornei-me alguém que não aguenta a ausência do meu amor. Não suporto e estou para ir aí beijar tuas mãozinhas.

Achará essas palavras melosas (não me acha meloso?), mas o que poderia eu colocar aqui senão elas? Sinta-se à vontade para não responde-las (apesar de que isso me doeria demais, demais!), ou simplesmente responda sem essas melosidades todas. O que me importa é ter algo de ti, qualquer coisa, uma letra, um hífen. Dê-me uma folha em branco mas não me deixe sem nada. Faria do papel vazio meu ícone, iria cheira-lo, colocá-lo-ia para dormir comigo, passá-lo-ia pelo meu rosto e sugaria o pouco de ti que houvesse.

Aceito de tudo, apenas dê-me algo teu.

Do teu Gregório.

Vila Doracy, 7 de Dezembro, 1950.

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