Quinta Carta

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Minha Melzinha,

Descreveu-me de forma tão bela que custo a acreditar que seja eu mesmo a quem suas palavras se referem. Pergunto-me, então, quão injusto é esse mundo por permitir que alguém tão preciosa quanto você me fale coisas tão belas de tão longe. Há tuas palavras, eu as amo, terei elas registradas até a minha morte, quero ser enterrado com elas em meu peito, sabendo que em algumas centenas de anos meus restos irão se fundir com o pó do papel, conjurando-nos em um. Mas não consigo me dar por satisfeito com tamanha distância. Falta seu jeitinho nessas palavras. Queria vê-las bolando pela tua boca, faltar-me-ia um registro eterno, mas poderia abraça-la, ter seus ombros presos em meu corpo. Quão injusto, quão triste!

Mais injusto ainda são esses correios. Tua carta chegou para mim apenas hoje, doze dias após tua confissão tão sincera. Só hoje pude lê-la e me forçar a responder. Não queria fazer mais nada, apenas rememorar tuas palavras. Pegava a caneta para tentar uma resposta e tua confissão me vinha, eu piscava e meus olhos custavam a abrir novamente, o desejo deles era permanecerem em sono, para poderem sonhar com teus elogios sobre eles.

Oh, minha Melinda, mas cá estou eu! Dizendo-te novamente que te amo e desejando-te um feliz aniversário atrasado. Não por esquecimento, gastei de bom grado as 24 horas do dia 31 pensando no que o meu amorzinho estava aprontando em teu dia. A única coisa que terá de mim serão essas folhas, que rasgam e borram. Se estivesse ai, não teria lhe dado presentes, eles envelhecem e se desbotam. Muito menos festas, elas terminam. Eu teria lhe dado meus beijos. Pois, Mel, meus lábios até secam e se embalam, mas eles ficam. Não teria nem mesmo lhe dado discos de Edith Piaf, arranham e se repetem. Tampouco flores, elas murcham e morrem. Dar-te-ia a mim mesmo. Envelheço, acabo, choro, amo, quero, vou, porém sempre volto.

Gostaria de tê-la feito mais feliz eu teu aniversário. Saiba disso.

Penso, Mel, que tudo teria um sabor diferente se feito contigo. Qualquer realização de minha parte, qualquer fracasso que me acometa, fico pensando que só teriam razão caso eu tivesse o teu sorriso ou o teu ombro para colocar minha cabeça. As coisas, portanto, acontecem e não sei como reagir. Meu gatilho que me faz viver está ausente. Só com a tua volta sairei desse estado catatônico que suporto.

Agora és a minha moça, minha eterna menina a quem eu quererei bem para sempre.


Do teu Gregório.

Vila Doracy, 8 de Janeiro, 1951.

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