Quinta-feira, 24 de Agosto
Inventei de prestar as condolências à falecida infeliz. Eu até suspeitava que a irmã dela sabia do acontecido do passado, mas tive minha confirmação após ver a cara que ela fez para minha chegada em sua casa. Mas eu ainda era Gregório Albuquerque, tinha ela que fingir todo o respeito.
O corpo mal foi velado, apenas enterrado quase que despercebido. Na casa só havia o casal e a menina, esparramada em uma poltrona com uma leitura na mão. Antes de entrar, bati as botas no chão para tirar a terra e logo a criatura se deu conta da minha presença. Ajeitou a posição e fechou o livro no colo. Pude jurar que me deu um meio sorriso.
— Boa tarde, Sr. e Sra. Dorneles. Estou aqui para dar meus profundos pêsames pela ida da sua queridíssima irmã. Conheci ela, há um bom tempo. Fazia bicos lá na fazenda.
— Mas é muita gentileza do senhor vir até aqui para se lembrar daquela pobrezinha! — Sr. Dorneles disse, todo satisfeito por me ter na sala da sua casa. — Sara, por que não vai aprontar um café para nós? Aceita, não é?
Sara? Era assim que a criatura chamava? Não, não! Referia-se a sua esposa, que foi atender ao pedido com a cara toda amuada.
— Menina, por que não vai procurar o que fazer longe daqui?
Daquela vez ele estava se referindo à criaturinha, que já se levantava, com a mesma obediência da mãe, porém sem esconder a insatisfação no que fazia.
— Espere. Ela é ela a filha da pobre mulher? Deus a tenha.
— Isso mesmo, meu senhor. Foi-se e ainda deixou uma pessoa no mundo para ser cuidada. Vai ser muito difícil dar de comer, vestir e todo o resto para mais alguém. Mas o que eu e minha mulher podemos fazer? Nunca tivemos filho, de todo jeito! Sempre quisemos economizar e agora a poupança irá se ir!
— Se o senhor me permite, por que fala nesse tom com uma moça que acaba de perder a sua única família?
O homem abriu os olhos de espanto pela minha alfinetada, mas não disse mais nada.
— Está bem, querida? Imagino que não. — perguntei em direção oposta ao homem.
A criatura nem assentiu, apenas foi se esconder em algum canto.
A odiosa tia chegou exalando cheiro de café e a cara amuada. Era tão taciturna quanto a sua infeliz irmã que morrera. Fingi conversa por bem meia hora com o homem e bastou uma brecha a sós com a sua esposa para que eu pudesse pôr o que eu queria fazer em prática. Não tinha ido até aquela casa somente para espiar a menina ou tomar café. Havia um propósito enorme naquilo tudo.
— E então? Sei que acaba de perder a irmã, mas a senhora me parece mais com raiva do que triste.
Mordiscou o próprio lábio e retrucou:
— Ora, minha irmã pode muito bem ter guardado segredo de todos, mas a mim ela contou tudo que se passara com ela. O senhor sabe que não precisa se preocupar quanto a mim, não tenho nada a ganhar contando ou exigindo algo. Mas não me peça para tratar o senhor com algo a mais do que mera educação. Isso ainda o faço pela sua posição. Caso contrário, o senhor não estaria nem sentado em meu sofá.
— Não consigo compreender completamente o motivo de tanto rancor, já que foi meu próprio pai que deu dinheiro para a sua irmã se arranjar. Eu estava presente. Deveria me ter gratidão. A mim e a minha família.
— Impressiona-me o modo como o senhor fala sobre esse assunto de modo tão sínico.
— A criança nem sequer era minha.
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Aquários
RomanceGregório é um homem frustrado com sua atual vida. Sempre sonhou grande e, contrariando as suas expectativas, encontra-se na mesma cidadezinha que cresceu, no interior de Minas Gerais, casado com a viúva de seu irmão, a quem ele tem profunda aversão...