9 de Setembro de 1950

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Sábado, 9 de Setembro

Oh, Deus! Nunca me senti tão tolo como no dia de hoje! Ontem estava tudo tão perfeito, com aquele momento tão vívido e me senti tão dono desse universo. De repente, tudo se esvai. Tão, tão, mas tão um homem ridículo eu acabei por me tornar! Escrevo isso à noitinha, como quase sempre, trazendo uma espécie de ironia para tudo. Afinal, esse dia permanece a me afetar tanto, enquanto que, a essa hora, todo mundo dessa cidade já dorme e esse dia, que ainda me é tão custoso, já se tornou passado em cada casa. Para mim, ele ainda não teve seu fim. Está ressoando. E que melodia irritante ele tem!

Tudo começou no café da manhã. Ah, não, minto. Foi antes. Um dia anterior a esse maldito dia. Sabia, agora, que Melinda gostava de ouvir música escondida dos tios. Que detalhezinho precioso. Gostava de livros e de ouvir com todo estimo suas musiquinhas. Pois bem, lá fui eu, tolo, ridículo e imbecil como sou, em Ouro Branco. Fui procurar para Melinda, entre tantos e tantos toca discos, o mais sublime de todos. Escolhi uma maletinha azul turquesa, compacto, tão Melinda! Para mim, era a cor que faltava entre as que ela já usava; vermelho, azul anil, ah... Pararei por aqui. Sou tremendamente repetitivo quando começo a falar das cores da menina. Pois bem. Voltei todo satisfeito para casa com a caixa, já idealizando a boa conversa que eu teria com Melinda, após presenteá-la com aquele mimo. Faria questão, claro, de ir em um momento estratégico, quando nenhum de seus odiosos tios estivessem em casa. Tinha eu noção do horário de trabalho do Sr. Dorneles, quanto à Sara, eu teria que ficar à espreita a ver uma hora em que ela saísse da casinha ordinária. Tudinho pensado. Como fazia tempo que não planejava as coisas de forma tão pormenorizada! Um fato curioso é que isso me deixou até meio nervoso. Sabe, senhores, depois que se fica velho e possuidor somente de uma vida em que nada acontece, coisas assim, uma simples conversação com uma menina (que nem sequer ainda havia acontecido), pode se transformar em seu ponto alta da semana. Do mês!

Agora vem o café da manhã. Hoje, estava eu à mesa, com a caixinha toda discreta em baixo do móvel. Só Bernardo, o infeliz mais novo, estava me fazendo companhia. Daí chega Teresa, toda amuada, resmungando alguma coisa sobre o infeliz mais velho.

Ficará aqui durante essa manhã, não irá? Perguntou a mulher ao fim de um grito.

Como? Eu? Ah, não! Tenho coisa para fazer essa manhã.

É inacreditável! Seu filho está prestes a ir embora e não há quase nada resolvido sobre a sua viagem e estadia. Tem de ficar aqui e resolver.

Essa manhã não posso. Estou ocupado.

O que tem para fazer? Afinal, você, ocupado? Com o quê? Desde quando há algo que você tenha que fazer com urgência?

Fechei o jornal, fingindo ofensa e assumi meu típico ar de pessoa atarefada. Simplesmente detestava quando alguém me tinha por desocupado. Teresa era mestra em fazer tal coisa.

Tenho minhas coisas. Não fale do que não sabe.

A menina dos Dorneles?

Só o que me faltava era isso, Teresa encucada com Melinda!

Não faça essa cara de sonso! Eu sei de tudo que se passa. Essa cidade não é tão grande, você é o que mais sabe disso. As notícias correm e é capaz de todos já saberem do seu apadrinhamento. Agora, diga-me, por que diabos deu para ajudar os necessitados? O que tem essa menina com a sua vida? E pior, por que os Dorneles?

Eu ia conversar isso com você. Mas já que soube antes, bem...

Conversar comigo sobre algo? Duvido! Ia era me esconder isso, como sempre faz com tudo.

AquáriosWhere stories live. Discover now