29 de Novembro de 1950

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Quarta Feira, 29 de Novembro

Há dois dias se passou a comemoração na Academia Santa Catarina, aquela que Melinda fez menção para mim. Poderia eu ter narrado naquela mesma noite tudo que se passou, mas fiquei tão extasiado com uma certa ideia que chegarei a transpor aqui , que não me foi possível narrar sobre nada. Entenderão tudo, senhores, tudinho! Paciência, apenas, pois antes quero falar sobre a tal da comemoração. Semanas antes tinha eu ido atrás de saber disso melhor, claro. Cheguei até a falar com a diretora lá. Fui com a áurea de senhor que ajuda uma das meninas da academia, um exemplo sou eu! Quem ficou encucada com isso, óbvio, foi Teresa. Com ela, meu discurso de benfeitor não pega, então restou somente o silêncio de minha parte à sua birra.

Cheguei à escola fazendo o que menos pretendia: chamando atenção. Fui atrasado, entrei bem no meio da fala de alguém, não pude nem passar o meu olhar pela fileira de moças que estavam sentadas em cadeiras sobre a grama, em busca de minha Melinda, pois todos ali fitaram a minha chegada abrupta. Como figura importante, logo trataram de me acomodar em uma poltrona no lugar de destaque, ao lado de filantropos, professores e clérigos. Foi só então, já sentado, depois de ter respirado um tanto para compensar a correria que fiz para chegar até lá, que vi as sobrancelhas de Melinda levantadas em minha direção. Ali, quase perdida entre as outras meninas, bem na fila do fundo, era somente uma pessoinha qualquer aos olhos de outrem, mas, aos meus, era a única coisa que existia entre tantas pessoas tão sem significância alguma a mim. Ela nem se deu ao trabalho de virar a cabeça por completo até minha direção, somente salientou a tez de sua testa. Queria sorrir para ela, poderia alguém perceber? Oh! Mas com toda certeza! Teria sido um sorriso todo bobo, perceptível aos olhos de qualquer curioso que poderia haver, recolhi-me sem esboçar reação alguma àquela menina. Ao menos no rosto, senhores, era eu indecifrável, pois todo o resto desse meu corpo velho era uma sucessão de reações químicas, biológicas e sentimentais. Minhas pernas balançavam impacientes em baixo da cadeira, minhas mãos percorriam minha coxa, indo e vindo, espalhando suor, sentia até um fio quente escorrer pela lateral de meu rosto. Era eu só nervosismo, pois sabia que, em algum instante, aquela mulher, que tanto falava, iria cessar sua voz, as pessoas, então, se levantariam, com várias vindo me cumprimentar, mas tão logo eu me livraria delas e pertenceria somente à Melinda.

A diretora dizia algo sobre parabenizar os esforços das moças em um trabalho de caridade lá, desejava boas festas e um parabéns pela conclusão de mais um ano escolar. Vieram até umas formandas, todas arrumadas, para receber sei lá o que. Isso já tinha se passando bem uma hora de mim ali, aterrando minha vontade louca de possuir Melinda. Se eu pudesse, não fosse suspeito, teria me levantado e sentado ao lado dela, com nossas pernas juntinhas, se não se tocando, compartilhando o calor. Que indiscreto seria! Somente eu de homem no meio daquelas moças. Notem, senhores, que há tanta imoralidade e perigo em tudo que penso em fazer com Melinda. Isso, claro, no olhar maldoso das pessoas, que põem tudo no nada, fazem caso por besteirinhas, paciência! Tive que aguentar as honrarias por bem mais meia hora, até aquele precioso fim de fala chegar, para minha benção. Como eu já previa, veio um bocado de clérigos, professores e filantropos me cumprimentar, os quais tratei de despachar, um a um, com toda a minha educação. Falavam, narravam, contavam e, enquanto, em cada espaço de cada letra de seus dizeres, morava o meu olhar indo se encontrar com minha menina, sempre tentando acompanhá-la. As moças já haviam se levantando e agora se dissipavam pela grama, indo um tanto para lá e outro para acolá. Se não tomasse cautela, logo perderia o meu amor de vista. A cada nova conferida que eu dava, enquanto eu fingia ouvir, moravam expectativas que Melinda também estivesse compartilhando daquele olhar. Ilusão minha, senhores, pura ilusão. Ela estava sentada em um balanço, empurrando seu corpo de leve com o seu sapato, totalmente distraída com o que uma moça que estava em pé, bem ao seu lado, lhe dizia. Melinda mais se preocupava em fazer careta a tudo que a outra falava, comentar algo de vez em quando, pisar na grama noutras horar, retirar lascas de tinta do balanço, em suma, fazer de tudo, menos me encarar. Poderia parecer que ela estava esperando por algo, ou alguém, mas, como já lhes disse, uma conclusão minha nunca é confiável, pois um coração que ama tende com facilidade ao erro.

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