22 de Agosto de 1950

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Terça Feira, 22 de Agosto

A coisa aconteceu e estou aqui para honrar com a minha palavra. O que pode ser de muita contrariedade, já que o que irei narrar aqui é de uma grande desonra. Vejam, não tive maiores problemas em dizer-lhes, por exemplo, que eu frequentava bordéis mesmo sendo casado. Isso porque, para mim, isso não é desonrado. Ter uma mulher que não cumpre o seu papel maior como esposa nos faz ir atrás dessas espécimes de coisa. O que irei dizer aqui, no entanto, é a história de um abandono por completo. Talvez senhores, já sendo conhecedores de meu gênio, estranhem minha preocupação com essa causa e até acreditem que ela seja pequena demais para toda essa minha angústia. Concordo com vos. Mas, repito, ainda resta um fio de uma estranha humanidade em mim!

Há uns dezessete anos, tinha eu já passado dos meus trinta de idade. Havia terminado a faculdade de direito, trabalhado em alguns negócios improdutivos em Belo Horizonte e, enfim, retornado para Vila Doracy a fim de espairecer. A verdade que eu estava falido financeiramente e me propus a escorar-me em meu pai por uns tempos, mesmo que ele fosse um homem detestável. Não fazia tanto mal. Eu passava o dia na fazenda, sempre arrumando algo para fazer, e meu pai fora, já um idoso, bebendo e caindo das pernas por aí. Eu não procurava repreende-lo, pois dava meu suor e sangue para passar quase despercebido pelos corredores do casarão da fazenda. Meu pai já começava a desconfiar que eu estava ali não apenas para tomar ar e ficar com a família, mas somente para comer e ter uma cama. Foram tempos de puro ócio. Desacostumei-me com o trabalho, seja ele manso ou pesado, e toda vez que me era questionado o motivo de eu não estar fazendo nada, eu acatava o tom de ofensa e respondia que estava fazendo uma produção intelectual. Não fazendo nem um nem outro, havia tempo de sobra para qualquer deleite que me surgisse.

Gastão, meu irmão, caros, estava casado. Com Teresa. Sim, pois antes dela vir a ser minha, foi dele. Estavam juntos há bons anos, tinham ganhado uma construção completa de uma casa só para eles, perto do casarão da fazenda, e possuíam dois filhos que agora tenho como meus. Teresa veio de uma boa e respeitosa família. Ela tinha para lá dos seus trinta anos quando a vi pela primeira vez, mesmo assim não pude deixar de notar a sua beleza. Não era do tipo cativante e tampouco exótica. Era dura como todo o resto dela. E que mulher rígida! Não era adepta das conversas sem propósito e raramente era vista dando início a algum assunto fútil. Era taciturna e gostava de espiar pelas frestas das portas. Como eu apreciei isso! Achei um charme. Pensei em como seria desarmar aquela mulher poderia ser maravilhoso. Fui tolo. Nunca considerei que essa bobagem logo iria cansar-me e fazer-me ter nojo da cara daquela mulher. Mas nessas tempos era tudo paz e tudo mui bonito.

Com toda essa inflexibilidade que Teresa exalava, era óbvio que sua alma nunca conviveria em harmonia com a do imbecil do meu irmão Gastão. Dado em demasia às conversas fúteis e às piadas de mau gosto, Teresa o detestava tanto quanto eu, usando unicamente o olhar para esbanjar seu desamor. Nutria tamanho desprezo que eu contava suas reviradas de olhar e estufadas de peito ao menos umas vinte e uma vezes durante uma fala de seu marido.

Gastão era tão grotesco como o meu pai. Tão parecidos que eram juntos que compartilhavam a bebida, as conversas banais e as piadas. E eu? Ficava só pensando Olha só o quanto essa mulher odeia este homem e seus papos sem fim! Ela iria adorar-me! Sei disso e daquilo. Se eu tivesse chance de ficar a sós com ela, essa mulher se encantaria pelo que tenho a dizer! Hoje, senhores, sou alvo de ainda mais desprezo do que ela tinha por Gastão! Tanto que não raramente ela solta uma fala de comparação entre nós dois, sempre para me depreciar. Seu irmão pode não ter estudado e feito isso ou aquilo, visitado tal lugar e morado em tal cidade, mas ele tinha um coração bom que você, com toda sua arrogância, jamais terá! Enganei-me quanto a tudo isso.

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