24 de Outubro de 1950

Comenzar desde el principio
                                    

Mas se voltei a escrever aqui, senhores, foi porque as esperanças não foram embora de mim! Elas persistiram e sai eu com Teresa em um dos meus braços, nós dois formando um casal aos olhos de todo mundo.

Era um fim de tarde, eu e ela cumprimentamos a todos, assistimos à missa e depois fomos nos sentar em uma das mesas próximas à matriz. Tudo isso, claro, com minha atenção voltada ao meu entorno, nunca ao que se passava a minha frente: Bernardo pede dinheiro para fazer sei lá o que, dou-lhe conferindo o que se passava atrás do moleque. Teresa comenta sobre o falecido da senhora que há pouco havia nos cumprimentado, respondo com hum hum e levanto a cabeça de forma discreta para conquistar uma melhor visão. O diácono vem falar conosco e, durante toda a sua fala de meia hora, fico a fingir cortesia enquanto meu olhar dança pelos lados. Teresa se irrita com a minha falta de atenção e eu me irrito com sua irritação, digo que vou atrás do diácono. Mas ele não acabou de sair daqui? Ela pergunta. Esqueci de falar-lhe algo! Sobre o busto! E assim fujo da mesa. Caminho na direção que o diácono foi, para Teresa não começar com suas suspeitas absurdas, e vou indo e indo, passo em uma das barracas e enquanto espero meu gin, aproveito para espiar mais de perto as caras adolescentes que esbarram em meus olhos. Já com o meu copo, continuo a ir, indo e indo, até já estar longe o suficiente do epicentro daquela comemoração. Perfeito! Dali, por detrás da praça, as árvores me cobrem, sou um mero espectador da celebração. E como parece que há gente ali! Toda a cidade, seus três mil e poucos habitantes, reunidos em um só lugarzinho. Crianças correndo, os adultos nas mesas, os comerciantes fazendo dinheiro em suas barraquinhas. Sei que não há quase ninguém nas casas daquela cidade, até às idosas foram gastar suas solas na festa. Mesmo assim, para que me serve toda aquela gente, quando a única pessoinha que eu quero parece ter evaporado daquele mundo? Meu olhar já está cansado de procurar, arde! Mas quem disse que paro?

E então? Devem estar se perguntando. Se estou escrevendo aqui, devem supor que em algum instante dessa narração eu acho Melinda com meu olhar. Então, pensam os senhores, fui até lá e puxei um assunto. Nem um nem outro! Nem se eu a encontrasse com o olhar, iria até ela. No melhor dos meus pensamentos inventados, eu a acharia no meio da multidão e somente a acompanharia com o olhar, só, nada mais! Eu me faço por satisfeito por tão pouco! Não a abordaria na multidão, que coisa mais ridícula pensam os senhores! Estaria ela se divertindo com seus amigos ou sei lá o que. Longe de mim querer incomoda-la.

Porém, como supõem, se escrevo aqui, oh, meus caros, é porque Melinda apareceu para mim nessa noite, de fato, os senhores estão certos de pensarem assim. Mas eu não a encontrei, estava olhando na direção errada. Enquanto erroneamente cria em encontra-la vendo aquela multidão longe, dois de seus dedos, seus dedinhos! tocaram meu ombro. Tão de leve, tão espontâneos, primeiro um, depois o outro, terminando com sua unha raspando de leve o meu paletó. Mentiria se aqui dissesse que eu sabia com exatidão que aqueles dedos pertenciam à Melinda. No entanto, mentiria — também — se falasse que não notei o quanto aquele movimento, seja lá a quem pertencesse, era tão precioso e único. Virei-me certo de que encontraria algo bom, mas nunca, jamais, algo tão bom quanto Melinda. Minhas expectativas estavam mortas demais para esperar por algo assim. Todavia, lá estava ela, sem seus rabos de cavalo, com os cabelos soltos, ondas douradas encapando seu rosto. Um diadema perdido em seus fios, seu batom vermelho e brincos de pérola falsa. Atrás dela, havia apenas o lado completamente deserto da cidade. Não havia ninguém ao seu lado. Também, sabia eu, que nenhuma das janelas ao nosso redor poderiam esconder alguém nos espiando. Nunca estive tão a sós com ela. Mas, também, nunca ela tinha sido colocada de forma tão abrupta para mim. Resultado? Lá estava eu, sem saber o que lhe dizer. Suas mãozinhas já estavam recolhidas juntas ao seu vestidinho, enquanto ela olhava para cima, parecendo esperar. Esperava por algo que eu a dissesse!

AquáriosDonde viven las historias. Descúbrelo ahora