21 de Setembro de 1950

Start from the beginning
                                    

Dói em mim tudo isso. Essa tal coisa de eu não ter significado algum para ela, enquanto que em pouco tempo ela já se transformou em algo tão terno para mim. Doí-me a recusa dos outros em deixar-me aproximar dela. E como me doeu, ontem, senhores, um fato! Esse doeu de uma forma que será difícil de ser superada!

Estava subindo a rua que corta a matriz, apressado, sem olhar onde ou a quem. Mas minha pressa, caros, tem tempo para Melinda. No mesmo instante que ela apareceu em meu campo de visão apressado, eu a percebi descendo a rua, ainda bem no topo da rua íngreme. Ao seu lado, sua tia Sara, que sequer eu haveria de perceber, se não fosse a fatalidade dela puxar a menina para a rua oposta. Fez isso, senhores, para não topar comigo! E eu fiquei lá, feito um bobo, subindo a rua e tendo que presenciar Sara quase fazendo do braço de Melinda uma coleira para puxar como bem entender. Minha menina nem olhou para trás, nem para dar a mim um olhar de pena! Não sei por que imaginei que ela faria tal coisa. Não havia motivo. Deus, como sou tolo por pensar tal coisa e ainda ter coragem de admitir isso para o papel. Sorte da minha vergonha que não coloco nessas linhas um terço das coisas que eu ando pensando. Mas vamos lá, vamos voltar à dor! O que me doeu, afinal, nessa cena toda, fora o fato de Melinda sequer me dirigir um olhar? Vê-la se indo! Sobretudo, vê-la! Na sua melhor versão. Vê-la tão em si, com as suas cores, tão mais perto, depois de vários dias apenas observando-a indo e voltar a escola do meu carro, para, em seguida, ter que presenciar, sozinho, ela sendo privada de mim. Arrastada! Aquela cena demonstrou tudo o que se passava, as coisas ficaram completamente lúcidas! Estavam mesmo boicotando-me da vida dela. Ah, e eu poderia aquietar-me e silenciar-me ante tudo isso, continuar pagando sua escola pela boa vontade que todos esperam de um Albuquerque, e nada mais que isso! Mas quem disse que consigo? Não bastou a mim apenas presenciar com o olhar o odioso fato. Eu tinha de ouvir verbalizado!

Hoje fui em uma reunião na prefeitura, coisa para acertar preparativos para o aniversário da cidade. Lá, encontrei Sr. Dorneles e, tolo como sou, puxei assunto apenas para chegar aonde eu queria. E onde seria esse aonde, senhores? Melinda, claro! Que aquele homem pensasse o que bem quisesse de mim.

Sr. Dorneles, não é por nada, mas venho percebido algo no mínimo curioso!

Mas o que seria, Gregório?

Sobre sua mulher. bastou a menção para o homem engolir seco.

Ah! Minha mulher? Mas o que teria ela de curioso? Seja o que for, deve ser impressão sua! Os modos dela que podem ser um pouco esquisitos ao senhor, sabe bem que a classe de origem dela é muito baixa, coitada...

Não tem a ver com isso. Eu sou de reparar muito! E várias entrelinhas me vêm mostrado que ela não gosta muito da minha presença em sua casa... e muito menos parece agradar-lhe que eu veja Melinda.

Todo sem jeito, o homem olhou de um lado para outro, fazendo uma careta.

Meu senhor, não entenda a minha mulher mal, mas acho que o problema dela não é bem com o senhor... É só que... arqueei minha sobrancelhas astutas, sedentas por respostas Ela veio me dizer que achou um pouco indecente da sua parte ir visitar Melinda em uma hora em que nós dois não estávamos em casa. Santo Deus, não ache que pensamos mal do senhor! Longe disso! É coisa da cabeça dela! Mas, meu senhor, é tão difícil tirar algo da cabeça dela quando ela coloca! Eu já conversei com ela sobre isso... Eu mesmo não entendi o senhor mal. Apesar de achar um pouco estranha a sua visita com presentes, eu...

Achou estranho? interrompi-o agora eu me sinto mal por causar tal impressão! Meu Deus!

Não! Não! Não! Não se sinta. Por Deus, por Deus! Desculpe-me! Eu lhe imploro!

Fingi ficar um pouco tonto, elevando minha mão à cabeça e procurando o apoio da parede.

Eu que lhe imploro perdão por passar tal imagem. Longe de mim! É só que... Oh! Nunca falei disso com ninguém! Nunca me abri de tal modo! Mas sinto que preciso lhe falar disso, para que as coisas fiquem mais bem explicadas. Não vou perdoar a mim mesmo caso a sua família continue a achar isso de mim...

Não se sinta na obrigação de me explicar nada, meu senhor. Sua menção já é suficiente para mim.

Eu insisto! dramatizei, olhando para os lados como quem procurasse por coragem Tive meus dois bons meninos. Um está para ir embora depois de amanhã para a capital. De fato, dois meninos que têm tudo para vencer na vida... Porém, Sr. Dorneles, houve um tempo que Teresa engravidou! Foram tempos tão felizes! Eu tinha certeza que seria uma menininha, sempre quis uma. Os pais sempre desejam homens, não é? Mas eu já tinha dois, queria, então, uma princesinha. Mas nossa felicidade só durou alguns meses. Teresa a perdeu, ou o perdeu! Não sabemos se era menino ou menina, mas eu tinha em meu coração que era uma garotinha, para mim, sempre será. Se a minha menina tivesse viva, oh! Teria mais ou menos a idade de Melinda. Ela tem quinze, não tem? Minha menina teria acabado de completar catorze! Como ainda me dói lembrar daqueles momentos. Mas foi necessário que eu retomasse com essa dor, pois, se hoje o senhor e a sua esposa acham estranho o carinho repentino que almejo empregar em sua sobrinha, é somente porque há dores em mim que ainda não foram completamente curadas! Se pago boa escola para Melinda, se lhe presenteio com algo que descobri que ela gosta, é somente por causa disso, para aliviar meu coração. Para sentir, por tão irreal que seja, como seria fazer os gostos de uma filha! Sr. Dorneles, o senhor está chorando...?

O velho limpava os olhos em um fungado gutural, meio emocionado com a história que eu havia acabado de inventar.

Gregório, como me sinto envergonhado e ao mesmo tempo feliz pelo senhor me presentear com tal testemunho! É de partir o coração! Toda essa gente sabe o quão bom és, mas poucos conhecem seu coração verdadeiro. Melinda é uma menina que nada tem de especial, eu e minha esposa sabemos, mas se o senhor se sente tão confortável em fazer suas vontades, que seja! Eu impedir tal alento em teu coração? Jamais! Nem eu nem minha esposa temos o direito. Falarei com ela. Dir-lhe-ei o quão boba ela é por tirar conclusões erradas sobre o senhor.

Não conte a ela sobre isso, por favor...

Mas como irei convencê-la do contrário?

Dará seu jeito. Não me sentiria bem se essa minha confissão saísse daqui. Já me foi muito doloroso, não me faça sofrer ainda mais, rogo-lhe!

Nunca! Projete o que bem entender em Melinda. Falarei com Sara.

Tenha esse senhor falado ou não com a mulher, convencido ela ou não, não voltarei a dar as caras na casa, nem tão cedo! Esperarei ser convidado e, na melhor das hipóteses, a vida me trará Melinda novamente. Sozinha. Sem mais ninguém. Deveria eu ter aproveitado aquele dia em que a tive sozinha esparramada no sofá, por detrás da cortina. Deveria ter chegado mais cedo, aproveitado a cena e depois conversado. Talvez ela tivesse criado estima por mim. Talvez, talvez. Como é doloroso viver no se e no talvez. De uma forma ou de outra, sei que o necessário é conquistar, em primeiro lugar, a confiança dos Dorneles, para isso, terei que ter paciência. Terei que deixar de ficar à espreita de forma tão abrupta, preciso de delicadeza. Com sorte, não demorará muito para que eu tenha minhas conversações com Melinda, minha Melinda! Ela não irá me decepcionar, há muito que eu quero perguntar-lhe! E eu não espero por tal resposta, não! Não crio expectativas em nada sobre ela, pois sei que, seja lá o que ela for, é justamente o que irei gostar.

3&vTw�-

AquáriosWhere stories live. Discover now