Conheceu Pitt em uma tarde de inverno onde as temperaturas estavam abaixo de zero e Lorenzo se recusava a sair da cafeteria com um potente aquecedor. Na época ele havia voltado a pintar, mas nunca conseguiu mais de vinte dólares por um quadro e se contentava em trabalhar descarregando grandes caminhões onde demandavam homens fortes. O homem negro era encarado com olhares repugnantes e os ignorava com certo deboche antes de se sentar ao lado do fugitivo. Lorenzo sentia tanto medo que estava paralisado, encarando a rua coberta de neve pela janela imensa do estabelecimento. Havia sentido a presença de Pitt, mas tem tendência a ficar imobilizado quando um pavor imenso o atravessa rapidamente. Sem que precisasse olhar para os lados, sabia que todos estavam em câmera lenta.

— Precisa aprender a se esconder — comentou aquele com um grande casaco bege cobrindo o corpo e uma touca vinho que o deixava com a face ainda mais nova. — Para sua sorte, não vim te levar para o inferno.

Neste instante, Lorenzo o encarou com seus olhos pretos arregalados e descolou os lábios quebradiços para falar, mas Pitt não deixou.

— Tenho notícias da sua amiga, Teodora — e a respiração que já era inconstante ficou ainda mais tensa. — Tenho certeza de que já não se falam há muitos anos. Ela passou por muitas provações, se quer saber, mas agora está no País de Gales. Parece que não vai mais precisar se prostituir para ter dinheiro — riu de maneira enfadonha e Lorenzo bufou. — Brincadeira... Mas a mulher teve sorte de ser tão talentosa. A voz dela, você deve lembrar, é como um cobertor quente nesse inverno horrível.

O pior é que ele sabia, mesmo que não se lembrasse de já tê-la visto cantar até então, sabia. Com as mãos dentro dos bolsos da jaqueta preta, Lorenzo começou a se levantar, mas foi parado por Pitt antes de continuar.

— Sarah, é o nome dela, certo? — Lorenzo olhou incomodado para trás. — Sei que mora com ela, mesmo que não sejam um casal de fato. Ter se casado com uma mulher que gosta de mulheres foi uma bela jogada. Como vai o filho dela, como é mesmo o nome dele? Alan? Albert?

— Se não vai me levar de volta para o inferno, por que ainda está aqui? — Perguntou extremamente impaciente pelas provocações de Pitt.

— Eu estaria te caçando, como todos os outros demônios, se não tivesse recebido uma desagradável notícia enquanto estava aproveitando meu sol na praia — o sorriso não se desmanchava. — Azazel, já ouviu falar dele? Ah! Pela sua cara não. Ele é um anjo, suponho que ainda não tenha encontrado uma deles.

Uma dor desconhecida o atingiu. Memórias do inferno, as torturas todas sendo passadas em sua mente como se estivessem acontecendo naquele instante. Ele puxou o ar com força e ergueu as mãos cobertas por luvas pretas até sua cabeça. Achava que seus ouvidos estourariam como se uma pressão grande demais estivesse sobre eles.

— Mas, para sua sorte, ele está aqui — continuou Pitt e apontou para a janela, de onde Lorenzo pôde ver o homem negro, de pele mais escura que Pitt, e sério olhando diretamente para eles lá dentro. — Ele que faz essa coisa legal — apontou para todos ao seu redor, se movendo de forma lenta e medonha. — Lorenzo, não vim te dar informações de Teodora ou ridicularizar sua vida medíocre em Ohio.

Lorenzo se concentrava para conseguir ouvi-lo. Seu rosto estava completamente vermelho e cada respiração era um sacrifício. O demônio à sua frente falou:

— Azazel me fez uma proposta, que aceitei, e eu quero que você aceite também. Já cogitou... Parar de fugir? Não me importo de fato com quem sai ou não do inferno, apesar desse desejo incessante de te apunhalar com essa belezura aqui — quando o fugitivo olha a mão esquerda de Pitt, um objeto de ouro até então desconhecido e de quase dois metros brilhava.

FUGITIVOS DO INFERNO 01 - Ciclo Da Era [COMPLETO]Where stories live. Discover now