19/01/2019

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Nosso tempo enclausurado acabou. Após todos esses dias não vimos nenhum sinal nos arredores e consideramos seguro e mais do que na hora de sairmos daqui.

Frank conduziu o carro e fomos até o próximo esconderijo para checar as coisas, se eu não me engano já é o quinto ou sexto abrigo que visitamos e Frank me disse ainda haver mais alguns. Dessa vez viemos até uma casa de primeiro andar em um condomínio fechado de classe média alta.

O condomínio até onde vi é todo cercado por muros de meia altura e grades que completam a altura do cercado até uns 2,20 metros mais ou menos, que possibilitam a visão da parte interna mas ainda assim fornecem boa proteção. Bom, ao menos deveria fornecer no começo, pois a essa altura já vi muitos buracos e passagens nele, além de algumas partes que foram totalmente derrubadas.

Claramente o local já havia sido violado inúmeras vezes e há bastante tempo e não é de espantar. Pelo nível das casas aqui este deve ter sido um dos primeiros alvos de saqueadores assim que as coisas desandaram de vez.

Assim que o governo caiu e as informações oficiais pararam de ser veiculadas a primeira coisa que aconteceu foi uma onda de saques e roubos a casas e carros. Não havia mais lei ou policia para controlar a situação então as pessoas se aproveitaram disso.

Isso aconteceu por todos os cantos e não foi diferente por aqui, além de que esse lugar chama atenção, então depois da onda inicial de ataques outras pessoas que passaram por aqui também devem ter tido a idéia de entrar. Afinal um lugar rico é o mais provável de conseguir coisas úteis.

A casa que Frank escolheu como abrigo fica na terceira rua do condomínio e estava bem deteriorada, tenho certeza que o cara que pagou tão caro por ela não imaginaria que as coisas terminariam dessa forma.

Frank parou o carro e eu entrei com ele para ajudá-lo a conferir as coisas, na verdade meu interesse mesmo era ver aquele lugar por dentro. As janelas da fachada estavam quebradas mas a porta estava inteira e fechada, Frank abriu e assim que entrei me deparei com uma sala bem ampla e bifurcações que davam acesso a outros pontos da casa.

Realmente aquela casa devia ter custado bem caro, mas agora estava um caco. Dava pra notar muitas manchas de sangue espalhadas pelas paredes e portas com bastantes arranhões. Como de praxe tudo estava bem revirado e era difícil encontrar um móvel inteiro, este lugar parece bem mais bagunçado que outros abrigos de Frank. Talvez pelo tamanho do lugar ele tenha tido preguiça de organizar, mas a verdade é que não me interessa muito.

Olhei apenas pelas passagens principais da casa enquanto Frank foi vasculhar os pormenores dos locais onde ele deixou suas coisas. Eu tinha voltado para a sala e estava observando o belo lustra no centro do cômodo quando Frank voltou.

- É bem bonito, não é? – Frank falou em referência ao lustre que eu admirava.

- É sim.

- Com o salário que eu recebia nunca iria conseguir comprar um desses, mas olha só, agora é meu.

- Benesses do apocalipse?

- Não, só estou zoando.

Após sairmos da casa Frank me avisou que ele quer continuar conferindo os outros abrigos próximos daqui mas eu não me animei tanto com a idéia.

Não que eu tenha muitas outras opções de coisas para fazer mas estar todo esse tempo convivendo com Frank naquele esconderijo encheu meu saco. Estou cansado de ficar de certa forma preso num lugar e minha idéia de liberdade não é exatamente ficar dentro de um carro indo de lá pra cá.

Avisei a Frank que preferia fazer outra coisa ao invés de acompanhá-lo na vistoria dos abrigos e ele aceitou, talvez também estivesse de saco cheio de ver minha cara todos esses dias.

- Vai ficar por aqui então? Eu posso passar e te pegar quando voltar.

- Não. Acho que vou dar uma volta, preciso esticar as pernas. Melhor marcamos de se encontrar em outro lugar.

- Certo. Tem uma cidade a uns 15 quilômetros daqui, é longe o bastante para você esticar as pernas?

- É, pode ser. Nos encontramos amanhã?

- Tudo bem. Fechado.

- Vou esperar em algum prédio logo após a entrada.

- OK. Fique atento ao barulho do carro, antes das 12 eu passarei por lá.

- Certo. Boa sorte.

- Você também.

Peguei do carro a minha mochila de mantimentos, junto com o arco, o estojo de flechas e a minha pistola que encontrei no dia em que matei Felipe. Após isso nos despedimos e Frank partiu rumo ao seu próximo abrigo e eu fiquei em meio à rua pensando em que fazer.

Decidi continuar no condomínio dando uma volta pelo lugar e conferindo mais algumas casas. O bairro realmente é muito legal, praticamente nenhuma das casas tem muros frontais e as que tinham eram apenas de forma decorativa. É interessante, bonito mas definitivamente pouco funcional pros dias atuais, mas não os culpo, afinal ninguém poderia prever o que estava pra acontecer.

Enquanto caminhava observei alguns mordedores se aproximando por entre os espaços entre as casas e alguns vindos de dentro das residências. Acelerei o passo e antes que a rua começasse a se encher de bichos decidi entrar em alguma casa.

Vi uma construção bonita a minha esquerda e aproveitei a ausência da porta frontal para adentrar. Assim que entrei pus o arco em mãos pronto para enfrentar algum mordedor e avistei um perambulando pela cozinha, tensionei o arco e disparei acertando a flecha em sua cabeça.

Fui até lá para pegar a flecha de volta e dei uma olhada por cima dos móveis e dentro do armário acima da pia mas não encontrei nada de muito útil. Ainda assim conseguir encontrar um pacote de café e o trouxe comigo. Subi para o primeiro andar e em um dos quartos achei um relógio daqueles bem caros caído ao lado da cama e o coloquei no pulso. Quem quer que fosse que morasse aqui além de dinheiro tinha bom gosto.

Continuei olhando o andar de cima e em um dos cômodos me deparei com um quarto de bebê com várias decorações rosa e coisas com temas de princesas de desenho animado. Por um momento parei á frente da porta e me peguei lembrando da gravidez da minha mãe enquanto eu observava aquele quarto.

Por um momento um filme passou na minha cabeça sobre como seria se minha mãe não tivesse perdido a criança e se esse maldito apocalipse não tivesse acontecido. Talvez um dia pudéssemos morar em uma casa como essa e minha irmã ter um quarto assim, mas infelizmente isso nunca irá acontecer. Logo depois voltei a mim e fechei a porta do quarto com força como se tentasse deixar lá dentro todos esses pensamentos.

Sai da casa pela porta dos fundos ao momento que os mordedores passaram a vir pela rua da frente e se dirigirem a entrada principal da casa. Caminhei por mais algumas ruas apenas admirando um pouco a fachada das casas e imaginando como elas eram bonitas sem todo esse lodo, sujeira e fuligem que cobriam suas paredes.

Após algum tempo fui em direção a saída e passei a seguir em direção a cidade em que me encontrarei com Frank amanhã pela manhã. A distância até lá não é tão longa mas prefiro evitar chegar lá a noite e pelas nuvens que vi no céu hoje a noite será de chuva. Logo é bom estar o mais bem abrigado o possível.

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