Última dose

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Se Yara estivesse viva, hoje seria o seu aniversário.

— Não vai trabalhar? — pergunto a Ítalo.

— Não!

Ítalo ainda está deitado. Não sei como lidar com ele no dia de hoje, mas tenho que descobrir logo. Sei que ele está lidando com muita coisa, principalmente agora, e preciso encontrar uma maneira de confortá-lo, mesmo que seja só um pouco.

— Já avisou para o seu patrão?

— Foda-se o meu patrão! — A voz dele é abafada por causa do travesseiro na frente do seu rosto.

— Tudo bem, mas dá bom dia para o nosso filho.

Eu sento na beirada da cama, deixando o Valentim deitado em minhas pernas. Uso nosso filho como ponto fraco dele. Não quero que Ítalo fique mal o dia todo, mas entendo e respeito. Tive poucos meses com Yara, e ela se tornou uma das pessoas mais importantes para mim. Não sei o que Ítalo está sentindo.

— Bom dia! — ele tira o travesseiro do rosto e segura a mão do bebê.

Os olhos dele estão vermelhos.

— Diz bom dia para o seu pai.

— Vou tomar um banho — ele levanta da cama e eu solto um suspiro pesado.

A perda de Yara dói tanto que é quase impossível não chorar. Passei os longos minutos do banho de Ítalo pensando em algo para animá-lo. Quando ele sai, vai direto para o seu quarto. Escuto um barulho seguido de outros. Ítalo jogou todos os carrinhos e livros no chão. Agora soca a parede de seu quarto com tanta raiva que, se continuar fazendo isso, vai quebrar a mão.

Minha preocupação cresce ao ver seu estado. Não posso deixá-lo fazer isso, mas não sei o que dizer para acalmá-lo. 

— Para! — grito.

— Sabe o quanto essa porra é injusta? Ela nunca fez mal a ninguém. — Ítalo está chorando.

— Se morresse só as pessoas ruins seria ótimo, Ítalo. Só que não é assim!

Tento encontrar palavras que possam confortá-lo, mas sei que nada pode realmente aliviar a dor que ele está sentindo. Ele continua socando a parede. Valentim se assusta com o barulho e começa a chorar alto. Tento acalmá-lo balançando devagar no meu colo, mas Ítalo continua socando a parede e gritando coisas que não consigo entender. A dor o deixa com raiva. Compreendo, mas não posso permitir que ele transborde dessa forma.

— Para! Você está assustando o nosso filho — grito.

— Desculpa! Desculpa! — Ele encosta a cabeça na parede. — Eu só queria que ela estivesse aqui, Julia.

— Mas você não pode ficar se machucando assim, meu amor.

Ítalo está com a mão sangrando. Chego perto dele e encosto minha cabeça em seu ombro. Valentim chora alto.

— Vem com o papai — ele limpa as lágrimas e pega Valentim do meu colo.

Nesse momento, sinto um misto de preocupação e compaixão. É evidente que Ítalo está passando por um momento muito difícil, mas precisamos encontrar maneiras saudáveis de lidar com essa dor, especialmente para o bem de nosso filho. Ele beija o rosto de Valentim várias vezes, e consigo ver arrependimento nos seus olhos. Ele não queria assustar o nosso filho, mas queria arranjar um jeito de expulsar toda essa dor que está sentindo. Consigo sentir a energia pesada desse dia.

Limpo a mão dele, passando um remédio que achei no armário do banheiro. Nos deitamos na cama e ficamos juntos, compartilhando sentimentos fortes que precisam ser colocados para fora. Ítalo me conta que em todos os aniversários de Yara eles passavam o dia todo grudados e faziam uma festa pequena. Seus amigos sempre estavam aqui. Ela foi uma avó para todo mundo, ele conta. Eles procuravam a ajuda de Yara para tudo. Todos a amavam, e era o dia mais importante do ano para eles. Significava mais um ano com ela. Me sinto mal por ele, mas me controlo. Não vou chorar. Vou ficar ao lado dele e apoiá-lo.

Quando estiver sóbrio (COMPLETO)Where stories live. Discover now