49ª dose

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Os dias passam tão rápido que tenho medo de acordar e Valentim já ter completado um ano. Cada dia traz algo novo. Já acordo querendo saber que novidade meu filho vai trazer hoje.

Ítalo voltou a trabalhar de manhã. Já não há motivo para ele reduzir o tempo na loja. Precisamos de seu salário integralmente, e ele gosta do que faz, então esperou mais um mês, curtiu bastante o Valentim e conversou com seu patrão, que logo aceitou. Quando não está no trabalho, ele fica arrumando tudo o tempo todo.

— Se eu soubesse que Ítalo ficaria assim, furaria as camisinhas dele antes. — Gustavo, um dos amigos de Ítalo, diz.

Ítalo está lavando a roupa do Valentim na mão. Enquanto esfrega, seu amigo diz o quanto ele está mudado e que nunca imaginou que o veria assim.

— Ou então poderia ter me deixado bêbado. Nem usei camisinha. — Ele para e pensa. — Mentira. Usei sim. Acho que era pra eu ser pai mesmo.

Fico envergonhada com a cara de pau de Ítalo e rio para disfarçar. Gustavo passa a tarde inteira aqui e devo admitir que gosto quando um dos garotos tenta animá-lo. Sinto que, após dois meses, ele ainda está muito mal com a morte de Yara. Também estou, mas sigo em frente. Ele parece ter estacionado em algum momento, mas não sei qual é. Talvez quando ela estava aqui.

São sete e vinte da noite. Aproveito que Valentim dormiu mais cedo e vou assistir um pouco de televisão. Gustavo já foi embora e Ítalo está esfregando as panelas na cozinha. Não parou um segundo. Tem mais de vinte minutos que está lá.

— Ítalo?

Chego perto da pia e desligo a torneira. Ele me olha. Não gosto do que ele está fazendo. Vai virar uma obsessão se continuar assim. Se não está lavando algo, ele varre, ou passa pano, ou dobra as roupas. Arrumou o armário do Valentim três vezes, sem exagero, só hoje. Estou preocupada com o que pode acontecer se ele continuar assim.

— Fala, Ju.

— Você precisa parar!

Começo a dizer que é normal ficar triste ou deprimido por um tempo e estarei aqui para tudo. Digo que Yara foi muito importante nas nossas vidas e compreendo o fato de ele não conseguir se recuperar, mas agora temos o Valentim, e ele precisa de nós inteiros. Ítalo retira o sabão das mãos e me encara.

— Se eu parar, vou pensar nela. Ficar sem fazer nada me traz pensamentos.

— Está tudo bem ter pensamentos! Você precisa pensar nela. Sentir é importante.

Ítalo chora quando a nossa conversa se modifica para algo mais pessoal. Ele conta as lembranças mais marcantes de Yara, e eu escuto sem intenção nenhuma de deixá-lo sofrer sozinho.

— É uma dor enorme. Parece que nunca vai passar, tá ligado?

— Não vai passar, mas vai ficando suportável. Deixa eu ficar do seu lado? — peço.

Ele assente. Chamo Ítalo para assistir televisão comigo, e ele se senta no sofá ao meu lado. Conseguimos ver meia hora de programa até Valentim chorar.

— Olha quem acordou? — Ítalo diz, alegre.

Eu sorrio, olhando Valentim no colo dele.

— Ele é tão lindo!

— Puxou a mim.

Eu rio baixo, revirando os olhos. Sei que não está mentindo, mas não vou alimentar o ego dele dizendo que está certo. Sou o oposto dele. Ítalo branco e eu negra. Deveria dar um contraste bom no Valentim, mas por enquanto ele é branco igual ao pai. Não parece muito comigo. Na verdade, não parece nada comigo. Gostaria que parecesse. Eu também sou bem bonita, mas parece que Ítalo fez tudo sozinho.

Quando estiver sóbrio (COMPLETO)Where stories live. Discover now